O Globo, n. 32769, 26/04/2023. Economia, p. 11

Limite no Santos Dumont

Geralda Doca
Glauce Cavalcanti


O governo federal decidiu que é necessário reduzir voos no Santos Dumont para superar o entrave às operações no Galeão, o aeroporto internacional. Após reunião com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e com o governador Cláudio Castro, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, afirmou que há um consenso sobre a necessidade de limitar a atuação do Santos Dumont. O modelo, porém, segue em análise. A proposta do Rio é restringir os destinos a São Paulo e Brasília.

— O governador e o prefeito fizeram uma proposta para reduzir os destinos no Santos Dumont a Rio-São Paulo e Brasília. Mas é uma proposta, a gente vai adequar naquilo que a gente pode fazer. Tudo isso é com um objetivo, não é contra o Santos Dumont, é para fazer com que o Galeão possa recuperar os seus passageiros —afirmou o ministro.

A esperada solução para o Galeão vai depender de outras variáveis. O governo federal marcou para amanhã reunião com a Changi, operadora de Cingapura que controla a RIOgaleão, a administradora do terminal, na qual pretende fazer uma espécie de ultimato, para avaliar se ela pretende ou não continuar com o aeroporto internacional. França não descarta a hipótese de intervenção. E está prevista ainda a apresentação em 15 dias de um pacote com medidas de incentivo.

Paes afirmou que o esvaziamento do Galeão é fruto de políticas públicas equivocadas nos últimos anos. Ele ponderou que isso traz problemas que vão além do baixo aproveitamento do terminal e da sobrecarga do Santos Dumont:

— Queremos dois destinos a partir do Santos Dumont: Congonhas e Brasília. E que o governo federal, usando um ativismo estatal, possa transferir os voos que hoje estão no Santos Dumont para o Galeão. O destino Rio se desequilibrou, temos muito mais gente no Santos Dumont do que no Galeão. Portanto, menos voos internacionais irão para o Rio. O que estamos tentando fazer é reequilibrar essa balança.

Reunião amanhã

Na avaliação de Castro, o modelo atual de operação do Galeão não se sustenta economicamente.

— Da maneira que a política está posta hoje, ele (Galeão) vai à falência. A nossa proposta aqui é uma proposta clara. Antigamente, o Santos Dumont funcionava na verdade como ponte aérea. Como a gente tem hoje uma questão importante em Brasília, a nossa proposta é que Santos Dumont voe para Congonhas e Brasília, e o resto seja transferido para o

Galeão —afirmou.

O racional por trás dessa ideia é transformar o Galeão em um hub (centro de distribuição de voos) doméstico. A mudança permitiria que o terminal também atraísse mais voos internacionais, pois é necessário que ele tenha conectividade, para permitir que o passageiro desembarque do exterior e possa seguir viagem a outros destinos.

Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), aponta que a mudança resultaria em um Santos Dumont com movimento anual de 9,13 milhões de passageiros, ante uma estimativa de 14,6 milhões sem qualquer restrição. Já o Galeão ampliaria seu movimento após a migração de voos de 7 milhões para 20,59 milhões. Chicão Bulhões, secretário municipal de Desenvolvimento, ressalta que o prognóstico mostra que, sem limitações, o Santos Dumont operaria acima da capacidade.

O Galeão tem capacidade para 34 milhões de passageiros por ano. O Santos Dumont teve sua capacidade revista pela Infraero no início do mês, saltando de 9,9 milhões para 15,3 milhões.

Na reunião marcada para amanhã, o governo federal quer que os executivos da Changi formalizem a intenção de desistir de devolver o aeroporto à União e demonstrem disposição real de manter o contrato. Se isso não ocorrer, a operadora será cobrada a devolver a concessão imediatamente.

— Queremos que a empresa também faça o seu esforço —disse França.

Risco de intervenção

Técnicos envolvidos nas discussões dizem, em caráter reservado, que a tendência é que Changi devolva o aeroporto à União, diante de sucessivos prejuízos e falta de amparo legal do poder concedente para reduzir o valor da outorga. Segundo fontes, enquanto Changi já se declarou disposta a manter o aeroporto, o governo avalia que a empresa não estaria “fazendo o dever de casa” para continuar com a concessão. O governo pretende sinalizar que a empresa pode usar precatórios (dívida judicial reconhecida pela União) em acerto de contas ou obter desconto em caso de antecipação de pagamento.

Mas, diante do quadro, uma saída vislumbrada pelo governo federal é fazer uma intervenção para repassar as operações à Infraero temporariamente. O plano é dar início aos estudos para licitar o Galeão, o que poderia ser feito isoladamente ou de forma conjunta com o Santos Dumont.

O que está na mesa no momento é fugir do modelo amigável de devolução da concessão, que traz vantagens para quem decide devolver o aeroporto, como, por exemplo, o ressarcimento de investimentos realizados e ainda não amortizados.

Mas não se trata de um caminho fácil. O próprio ministro ressaltou que não há mecanismo legal pronto para viabilizar a intervenção:

— Isso não existe na prática. Nós já levamos à Casa Civil as alternativas, inclusive mudança de legislação para você decretar a caducidade e entrar com uma nova empresa para gerenciar essa modelagem. Mas a gente não vai antecipar antes deles (Changi) se manifestarem, porque afinal de contas a gente respeita os contratos que foram feitos.

Uma das alternativas seria uma medida provisória para alterar a lei de relicitações e permitir a intervenção.

Para Paes, o importante é que a situação se defina rapidamente:

—Se a Changi tiver que sair, que ela saia logo e que a Infraero assuma, até porque você já pode preparar uma licitação da maneira adequada, em que Galeão e Santos Dumont são licitados em conjunto.

Castro ponderou que a prioridade é tomar medidas para a recuperação do aeroporto:

— Estamos aqui para defender o Galeão, que é fundamental para o Rio de Janeiro.

Em nota, a RIOgaleão reafirmou que “está à disposição do governo federal para identificação dos melhores caminhos para o futuro do aeroporto”. Destacou ter assinado, “com ressalvas”, o termo aditivo para a continuidade do processo de devolução do Galeão.

Pacote de medidas

E reiterou que esse termo vale por dois anos, período em que devem ser cumpridas etapas do processo de devolução e relicitação do ativo, “incluindo o cálculo da indenização da concessionária”. Até que o processo seja concluído, a RIOgaleão seguirá operando o aeroporto.

O governo se comprometeu a apresentar um pacote de medidas no dia 16 de maio. Entre as opções está a adoção de um slot flexível. Os slots são autorizações para pouso e decolagem em aeroportos congestionados. Quem não cumpre as regras de pontualidade, fica sujeito a perder as autorizações. O governo avalia não punir empresas, caso elas aumentem voos no Galeão. Outra proposta é inibir o uso do Santos Dumont para complementar voo internacional. Segundo fontes, as mudanças seriam graduais. O pacote inclui o retorno de parte das encomendas internacionais dos Correios para o Galeão. A empresa já tem base no Galeão, mas migrou as operações para Guarulhos na pandemia.