O Globo, n. 32769, 26/04/2023. Mundo, p. 17

Lula é alvo de protestos da ultradireita em Portugal

Gian Amato


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de protestos da ultradireita e de aplausos de aliados ontem ao discursar no Parlamento de Portugal, seu último compromisso no país antes de seguir viagem para Madri. O petista voltou a falar sobre a guerra na Ucrânia, defendendo a soberania do país invadido pela Rússia no ano passado, após declarações controversas gerarem mal-estar diplomático nas últimas semanas.

Lula foi ao Parlamento no 49º aniversário da Revolução dos Cravos, que em 1974 pôs fim aos 41 anos de ditadura de direita em Portugal —presença que há dias gerava controvérsia entre os políticos portugueses. O petista, que usou uma gravata com cores da bandeira brasileira e um cravo vermelho, disse sobre a invasão russa na Ucrânia:

— Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia. Acreditamos em uma ordem internacional fundada no respeito ao direito internacional e na preservação das soberanias nacionais. A guerra não poderá seguir indefinidamente — afirmou Lula. —As crises alimentar e energética são problemas de todo o mundo. Todos fomos afetados pelas consequências da guerra. É preciso falar da paz. Para chegar a esse objetivo, é indispensável trilhar o caminho do diálogo e diplomacia.

Na contramão da história

Segundo Lula, “quem acredita em soluções militares para problemas atuais luta contra os ventos da História”. Ele completou ressaltando que “nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política”.

Os deputados do partido de ultradireita Chega entraram no plenário depois da chegada dos presidentes Lula e Marcelo Rebelo de Sousa, quebrando o protocolo da cerimônia solene de boas-vindas ao brasileiro. Depois, bateram na mesa toda vez que o convidado era aplaudido— protesto que gerou incômodo visível aos ministros e membros da comitiva, levando-os a rebater com aplausos de pé e gritos.

‘Cena de ridículo’

A situação levou o presidente da Casa, Augusto Santos Silva, a pedir desculpas pelo “comportamento vergonhoso” da extrema direita:

— Chega de insultos, chega de porem vergonha no nome de Portugal —disse o parlamentar.

Mesmo após a repreensão, os deputados continuaram segurando cartazes com frases como “Chega de corrupção” e “lugar de ladrão é na prisão” e bandeiras da Ucrânia. Em seus cumprimentos ao Parlamento, Lula rebateu os protestos:

— Às vezes lamento porque, quando as pessoas não têm uma coisa boa para fazer, para aparecer, fazem essa cena de ridículo —disse o presidente. — Quando essas pessoas [do Chega] deitarem a cabeça no travesseiro, vão falar: “Que papelão nós fizemos.”

Lula originalmente havia sido convidado para participar da sessão principal da Casa no aniversário da Revolução dos Cravos. Em visita oficial ao Brasil em fevereiro, contudo, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, revelou que havia planos para Lula discursar no aniversário da revolta que pôs fim à ditadura, algo que nenhum chefe de Estado estrangeiro havia feito.

O ministro do Partido Socialista (PS), do primeiro-ministro e amigo de Lula, António Costa, fez o anúncio sem a decisão ter sido tomada em conferência dos líderes partidários do Parlamento, como determina o regimento da Casa. Isso por si só desatou raiva em setores mais conservadores de Portugal, mas as falas de Lula sobre a Ucrânia foram a gota d’água.

Durante sua passagem pela China e a breve escala nos Emirados Árabes Unidos, o presidente disse que tanto Rússia quanto Ucrânia são responsáveis pelo conflito, e que Europa e EUA têm culpa no prolongamento da guerra ao fornecerem armas aos ucranianos, algo que despertou indignação na comunidade ucraniana e nos deputados da direita e ultradireita. Diante da reação, Lula desistiu de participar da sessão principal, atendo-se à sessão solene de boas-vindas, onde apenas ele e o presidente da Casa tiveram o direito de subir ao púlpito.

O repúdio à presença de Lula foi comandado pelo líder de extrema direita André Ventura, deputado do Chega. A foto de Ventura, inclusive, estava acima de um outdoor instalado na frente do Parlamento, com a frase “Portugal precisa de uma limpeza” e figuras do establishment com os rostos marcados por “x”. Ao lado da placa gigante havia um pequeno cartaz contra o presidente brasileiro e a favor da Ucrânia.

Rivais em ruas distintas

Ventura tem grande apoio das forças policiais portuguesas e também soma simpatizantes brasileiros bolsonaristas ou que frequentam igrejas evangélicas no país. Nos últimos dias, ele prometia o maior protesto de todos os tempos contra Lula no país. Apoiadores do presidente compareceram ao local em número similar, isolados por uma barreira de segurança e policiais. Os órgãos de segurança mantiveram os manifestantes em duas ruas distintas para evitar possíveis conflitos, e Lula chegou ao prédio sob vaias e aplausos.

Em seu pronunciamento, o presidente da Casa lembrou que Portugal foi um dos primeiros países com os quais o petista restabeleceu contato após ser eleito em 2022.

— Com você, Brasília volta a se abrir ao mundo. Quando alguns tentavam invadir as instituições democráticas brasileiras, soube defendê-las sem qualquer hesitação — disse o parlamentar, ressaltando a defesa da democracia contra os atos golpistas de 8 de janeiro.

Santos Silva defendeu a retirada das tropas russas da Ucrânia. Mas, assim como Lula, afirmou que é hora de mais negociações e menos batalhas.