Título: O primo pobre de Severino Cavalcanti
Autor: Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 11/09/2005, País, p. A5
Enquanto o presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE) discursava em Nova York, na sexta-feira, sob o peso das denúncias que podem lhe custar o cargo, Mauro Cavalcanti, retirava R$ 458 da aposentadoria em uma agência no Centro de São Gonçalo. Nascidos no agreste de Pernambuco, a origem dos primos rico e pobre parece ser a única semelhança entre os dois.
Mauro, natural de Surubim a 18 Km da cidade de João Alfredo onde nasceu Severino, conta que o pai do presidente da Câmara, João Vicente, era primo de seu pai Joaquim Cavalcanti.
Aposentado, com 72 anos, o primo pobre acabou há pouco o de quitar sua casa na Ilha de Itaoca, região pobre do município, após parcelar R$ 2 mil - valor muito menor que a propina de R$ 110 mil que o empresário Sebastião Buani garante ter pago a Severino.
- Com as denúncias confirmadas, Severino tem que ser preso. Ele representa tudo o que existe de pior na política brasileira. Só sabe encher a própria pança de dinheiro - arremata Mauro, sem piedade.
A crítica fica clara quando comparadas as duas biografias. Diferente do conservador Severino, que teve seu primeiro contato com a política através do integralista Manoel Cavalcanti - irmão de Mauro - e chegou a integrar a Arena, partido de sustentação da ditadura militar, Mauro esteve em lado oposto, ao atuar na militância do PCB desde 1945. O aposentado, que disse ter sido preso durante a ditadura e ajudado a encobrir militantes da guerrilha do Araguaia, foi candidato a vice nas últimas duas eleições para a prefeitura de São Gonçalo pelo Partidão.
- Há 50 anos o PCB tinha 200 mil filiados, hoje a militância não cabe numa Kombi - lamenta Mauro, que obteve pouco mais de 4 mil votos em chapa formada com Jessy da Costa.
Mauro garante que o PCB é o único partido que não pratica caixa 2 ''porque não tem dinheiro nem para o 1''. Entre seus objetos de valor, ele aponta apenas para uma pequena TV e livros. O único espelho da casa, pendurado em uma parede com marcas de mofo, tem a pintura do líder guerrilheiro Che Guevara e oferece outro contraste com os ''ídolos'' de Severino que tem em seu gabinete como o quadro do Papa João Paulo II.
- Zito (como Mauro chama Severino) sempre foi papa-hóstia. Com o apoio dos padres e pelo clientelismo levou a eleição de 64 para prefeito em João Alfredo - conta.
O último encontro entre os dois aconteceu na cidade natal de Severino, em 1998.
- Quando me perguntam se sou seu parente tenho vergonha de falar - teria dito Mauro a Severino ''antes mesmo das denúncias de propina'', frisou.
''Por divergências ideológicas'' os dois nunca foram íntimos apesar de seus caminhos se cruzarem no Recife e no Rio de Janeiro à procura de emprego e em encontros entre seus pais, velhos amigos. O aposentado lembra que apenas em São Paulo, no início da década de 50, eles estiveram mais próximos. Ambos comerciantes, Mauro trabalhava na farmácia Caiçara, em frente à loja de Severino, que atuava como ourives.
Sobre a crise Mauro fala com desenvoltura e crítica ácida:
- O ponto positivo é que lavou com água suja aquele Congresso. Falta o PSDB e o PFL fazerem autocrítica. Eles apoiaram o atrasado do Severino que usa de nepotismo e agora querem aparecer. O problema é que os corruptos sempre voltam. Vide Antônio Carlos Magalhães.
O velho comunista está desiludido com a esquerda ''dividida pelo PT e perdida nessa tal de social-democracia''.
Na capital do país, enquanto malas cheias de dinheiro são carregadas pelos corredores, Mauro, no Rio, leva nas costas apenas sua enxada. Sua ambição? Capinar o terreno e montar um galinheiro.
- Não tenho nada que me envergonhe.
E lembra quando foi chamado por um radialista local para comentar sobre a vitória de Severino na Câmara:
- Preferi ficar em casa e comer uma cobra de mais de oito quilos que caçamos aqui no meu quintal.