O Estado de São Paulo, n. 46685, 12/08/2021. Política p.A10

 

CPI vai acusar Bolsonaro de charlatanismo

 

 

Para cúpula da comissão, presidente foi 'garoto-propaganda' de medicamentos sem eficácia comprovada, além de disseminar notícias falsas

Daniel Weterman

 

A cúpula da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid decidiu encaminhar ao Ministério Público Federal o pedido de indiciamento do presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de charlatanismo e curandeirismo sob o argumento de que ele incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus.

A medida, discutida por senadores ontem, fará parte do relatório final da CPI, a ser apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na avaliação da CPI, Bolsonaro foi o principal “garoto-propaganda” de medicamentos como a ivermectina e a cloroquina durante a pandemia, disseminando informações falsas à população e levando pessoas à morte. Renan também avalia sugerir o indiciamento de Bolsonaro pelos crimes de epidemia, publicidade enganosa e até homicídio. Uma análise da consultoria legislativa propõe, ainda, que agentes públicos do governo sejam enquadrados nos crimes de advocacia administrativa e corrupção passiva.

O senador pretende antecipar o relatório, que ainda terá de ser aprovado pela CPI. A maioria dos integrantes da comissão é aliada de Renan. Além do indiciamento por charlatanismo, o relator anunciou que vai propor uma onda de ações de indenização para que as famílias de vítimas da covid-19 processem a União e as empresas que lucraram com medicamentos sem eficácia comprovada.

O depoimento dado ontem à CPI pelo diretor-executivo da Vitamedic, Jailton Batista, reforçou a decisão da ala majoritária do colegiado de enquadrar Bolsonaro por charlatanismo. Batista admitiu que a empresa, uma das fabricantes de ivermectina no Brasil, aumentou os ganhos na pandemia. Disse, ainda, que patrocinou a publicação de anúncios a favor do tratamento precoce, contrariando evidências científicas.

Bolsonaro fez propaganda de cloroquina em várias ocasiões e também foi o maior influenciador digital do medicamento no Facebook, como mostrou o Estadão. Em julho do ano passado, o presidente chegou a exibir uma caixa de cloroquina para as emas do Palácio da Alvorada. Naquele mês, ele também havia recebido o diagnóstico de covid e disse que tomou o remédio. O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina somente em 2020. Antes, até 2019, a média de produção era de 250 mil comprimidos a cada dois anos.

A cloroquina é um medicamento indicado contra malária e doenças autoimunes. Bolsonaro quis mudar a bula do remédio para incluir a indicação contra covid-19, mas não conseguiu.

O Código Penal diz que o crime de charlatanismo ocorre quando alguém anuncia “cura por meio secreto ou infalível”.

A conduta de curandeirismo, por sua vez, é configurada quando uma pessoa prescreve substâncias usando gestos, palavras e fazendo diagnósticos que deveriam ser restritos a especialistas. As penas para as duas condutas variam de três meses a dois anos de prisão e multa.

 

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Comissão ouve líder do governo

 

A CPI da Covid vai ouvir hoje o depoimento do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). Ex-ministro da Saúde, Barros é acusado de integrar esquema de corrupção para compra da vacina indiana Covaxin. Além disso, a CPI fará acareação entre o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, e o deputado Luís Miranda (DEM-DF). A audiência com os dois deve ser realizada no próximo dia 18.