O Globo, n. 32770, 27/04/2023. Política, p. 4

Estratégias na mesa

Gabriel Sabóia
Camila Turtelli
Jeniffer Gularte


Em sessão marcada pelo acirramento da disputa política, a CPI dos Ataques Golpistas foi criada ontem pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com a sinalização de início dos trabalhos para a próxima semana, parte das indicações foi adiantada pelos partidos, enquanto outras vagas são alvo de concorrência interna. Governo e oposição já começaram a colocar em prática estratégias para influenciar os rumos da investigação.

O Palácio do Planalto deve montar dois grupos com missões distintas em sua base. Um deles reunirá os “palanqueiros” e “bons de briga”, e o outro será formado por “técnicos”. Com expectativa de ter pouco mais de 20 parlamentares entre os 32 integrantes do colegiado, o primeiro grupo governista será encarregado de travar um embate direto com parlamentares bolsonaristas, com capacidade rápida de resposta a provocações. A intenção é ajudar a pautar as redes sociais e ganhar a disputa de versões.

No segundo grupo, estarão parlamentares que farão a sustentação dos argumentos técnicos para a preparação de depoimentos. A ideia é contar com esses nomes para dar densidade política à versão do governo e mostrar que apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro foram responsáveis pela depredação das sedes dos Três Poderes.

Já no lado da oposição, com a colaboração de dois filhos do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), parlamentares tentarão emplacar a versão de que os atos de vandalismo tiveram conivência do governo.

Para isso, vão explorar o desgaste do Planalto com a demissão do então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias. O general era responsável pela segurança do palácio e deixou o posto após a veiculação de imagens que revelam a sua movimentação entre os invasores no dia dos ataques. A ideia é bater na tecla da suposta omissão do ex-ministro.

Enquanto isso, outros partidos já debatem os seus nomes para compor o colegiado, que terá, no total, 16 deputados e 16 senadores.

O PDT, partido que compõe a base do governo, por exemplo, decidiu indicar a deputada Duda Salabert (MG). Ela foi eleita com mais de 208 mil votos e está em seu primeiro mandato. Salabert e Erika Hilton (PSOLSP), também eleita em 2022, são as primeiras deputadas trans da história do Congresso brasileiro. Hilton está na disputa interna do PSOL para ser a indicada.

Troca de farpas

Salabert deverá protagonizar embates com a oposição que, além dos filhos do expresidente, terá entre seus membros a ex-ministra do Direitos Humanos e da Mulher Damares Alves (Republicanos-DF). Ainda do lado da oposição, o senador Sergio Moro (União-PR) tem pleiteado ao partido participar da CPI, mas a decisão não foi tomada.

Antes de iniciar a sessão de ontem, Pacheco disse que seria necessário “pacificar” e “conter o tumulto”. Mas isso não evitou a troca de farpas. Lindbergh Farias (PT-RJ) e o bolsonarista André Fernandes (PL-CE), por exemplo, foram para o embate em plenário.

Enquanto o petista tratou o autor do pedido de CPI como um investigado, já que ele é citado em inquérito dos ataques aos três Poderes, Fernandes acusou o petista de ter elo com Elcio Queiroz, apontado como comparsa do assassino da vereadora Marielle Franco, Ronnie Lessa. Queiroz foi funcionário da prefeitura de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quando Farias foi prefeito da cidade.

— (Elcio) foi funcionário sim, na prefeitura de Nova Iguaçu, onde tinham cinco mil funcionários. Nunca vi na vida. Agora, é completamente diferente. Ele (o deputado) não pode participar da CPMI. Ele é investigado pelo STF — rebateu Lindbergh.

Ontem, o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), manobrou para garantir à base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais uma cadeira reservada ao Senado na CPMI e evitar que o posto coubesse a um opositor. Para isso, Randolfe retirou o seu partido, a Rede, do Bloco Democracia, que contava com o PSDB, Podemos, MDB, União e PDT, e passou para o Bloco Resistência Democrática, que inclui o PT, PSB e PSD. A manobra não repercutiu bem entre os opositores. 

Disputa no PT

No PT, há uma disputa interna. Caciques já têm em mãos a lista de deputados e senadores que pleiteiam estar na CPI. Na Câmara, haverá duas vagas, mas três disputam: Lindbergh Farias (RJ), Rubens Pereira Junior (MA) e Rogério Correia (MG) — um deles será suplente. A segunda suplência do PT da Câmara caberá a um indicado pelo PCdoB, partido que compõe junto com o PV a federação capitaneada pelos petistas. Governistas dão como certa a participação de Jandira Feghalli (RJ) nesta vaga.

As discussões de articulação do governo para a CPI estão sendo capitaneadas pelos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil), Flávio Dino (Justiça), José Múcio Monteiro (Defesa), Jorge Messias (AGU) e Vinicius Carvalho (CGU).

Uma preocupação do Planalto é tentar evitar que a CPI crie uma nova crise com as Forças Armadas. De acordo com articuladores de Lula, o tom do governo será de focar em pessoas suspeitas de terem cometido crimes, detectar quem financiou atos golpista e não em ataques a generais.

Alvos da comissão

Papel do GSI no 8 de janeiro

A bancada bolsonarista pretende usar as imagens do circuito interno do Planalto para acusar o governo Lula de conivência com os ataques golpistas, devido à presença do então chefe do GSI, Gonçalves Dias, no local. A base governista, por sua vez, alega que os registros que indicam cumplicidade com golpistas envolvem militares do GSI que ocupavam a pasta desde o governo Bolsonaro.

A atuação da Polícia Militar

O baixo efetivo de policiais militares deslocado para conter os invasores golpistas é um dos pontos que deverá entrar na mira da CPI. O relatório da intervenção federal na segurança pública do DF já havia apontado falhas de planejamento e execução. Oficiais da PM, por sua vez, relataram entreveros com membros das Forças Armadas que atuavam na segurança do Planalto.

A conexão de Anderson Torres

Preso desde janeiro, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro tende a ser um dos focos do governo e da oposição. Enquanto a bancada bolsonarista alega que Torres estava longe do DF no dia dos ataques, ao contrário de nomes ligados à gestão Lula, pesam contra Torres a suposta omissão no planejamento de segurança e o envolvimento em episódios como o da “minuta do golpe”.

A postagem de Bolsonaro

O ex-presidente compartilhou um vídeo nas redes sociais, dois dias após os atos golpistas, questionando a vitória de Lula e fazendo ataques ao STF e ao TSE. Embora tenha alegado em depoimento, ontem, que a postagem foi involuntária, o episódio pode ser usado para levar Bolsonaro ao centro da CPI. Ele é alvo de inquérito que apura a autoria intelectual dos atos golpistas.

Omissões ou falhas do governo

O requerimento de criação da CPI mira “atos de ação e omissão”, um indicativo do foco da oposição em esquadrinhar a atuação do governo Lula, para além das cenas envolvendo o GSI e militares. Relatórios produzidos pela Abin às vésperas dos atos golpistas trouxeram alertas sobre atos violentos. Na véspera, o ministro da Justiça, Flávio Dino, autorizou o uso da Força Nacional.

Financiadores dos atos

Um dos focos que a base do governo Lula pretende dar à CPI é o avanço na apuração sobre o financiamento de caravanas e de estruturas que possibilitaram a realização dos ataques golpistas. Uma ação da Advocacia-Geral da União (AGU) mira mais de 50 pessoas físicas e jurídicas acusadas de financiar os atos do dia 8 de janeiro, com pedido de indenização de R$ 100 milhões.