Título: Contra o desencanto
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/09/2005, País, p. A8
Mais do que as graves deformações éticas do principal partido de esquerda do país e dos questionáveis rumos do governo cujo comandante exacerbou de maneira inédita as esperanças de 53 milhões de eleitores, o alvo do profundo e crescente desencanto dos cidadãos brasileiros é a classe política. Tisnados por uma crise que se arrasta - e se amplifica - há mais de três meses, representantes de todas as esferas do poder têm emplacado a maior e mais inquietante das derrotas eleitorais possíveis: a perda da credibilidade perante seus representados. Pesquisas de opinião revelam, afinal, que avança a musculatura das desilusões. Generaliza-se o sentimento de derrota e choque moral de gerações de eleitores, frustrados com a ineficiência, a paralisia, o descaso, as mutações programáticas, a incapacidade de oferecer respostas adequadas às demandas da sociedade e, sobretudo, a corrupção endêmica. Os escombros deixados por tais ruínas são evidenciados pelos números. Por exemplo, no recente Ibope Opinião, levantamento que afere a avaliação dos eleitores sobre os políticos e as instituições, os entrevistados expuseram uma fragilização em escala sem par na história. Noventa por cento dos brasileiros vêem os políticos com desconfiança, a maior marca desde o início da série de pesquisas do instituto, em 1989 - quando a desconfiança atingia 81% dos entrevistados. Os partidos são mal vistos por 88%, índice que já foi 18 pontos menor. Deputados e senadores também viram as expectativas dos eleitores serem corroídas quando comparadas a levantamentos de quase duas décadas. Tristes números de um país que, paradoxalmente, experimentou, nos últimos 20 anos, o maior avanço democrático da América Latina e um dos mais notáveis crescimentos eleitorais do mundo.
O mal-estar atual, conforme tem insistido o Jornal do Brasil, decorre do fato de que a sociedade se modernizou muito mais rápido do que as instituições públicas e os representantes - degradação balizada pela evidência de novos trambiques a adornar os gabinetes oficiais e pelo envelhecimento das regras que demarcam o aparato político, partidário, eleitoral e institucional brasileiro. Superar esta realidade exigirá muito mais do que palavras de inconformismo ou tentativas de resgate da credibilidade dos políticos por meio de ações cosméticas. Institucionalmente, convém sublinhar, o país atravessou minados campos de batalha e conseguiu manter a solidez democrática. Chegou o momento, contudo, de aperfeiçoar a democracia, por meio de pilares sólidos, capazes de sustentá-la no longo prazo. Afinal, políticos e instituições pouco críveis é o melhor atalho para retrocessos indesejáveis. A tarefa exige, portanto, uma reforma política ampla.
Entre as necessárias mudanças impostas pelas evidências, incluem-se agendas inadiáveis. A estrita fidelidade partidária durante o curso de cada legislatura é uma delas. Outra: a instituição da cláusula de barreira, na qual partidos que não obtenham 5% dos votos nacionais perdem o direito ao Fundo Partidário e à participação no horário eleitoral gratuito. Acrescente-se ainda a necessidade de um regime distrital misto, capaz de reduzir os gastos eleitorais a uma pequena fração dos atuais, e o financiamento público de campanhas, por meio da ampliação de incentivos fiscais no lugar da doação de dinheiro para partidos - mecanismo mais eficiente para reduzir os níveis de corrupção na arrecadação de recursos eleitorais. Tais providências ajudarão na assepsia e na reorganização da vida política do país, essenciais para abreviar a amarga excursão que a alma brasileira percorre no inferno.