O Globo, n. 32771, 28/04/2023. Política, p. 8

MPF vê indício de crime de peculato por Bolsonaro



Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) apontaram indícios do crime de peculato por parte de Jair Bolsonaro no caso das joias presenteadas pelo regime da Arábia Saudita ao ex-presidente. A informação foi divulgada pelo UOL e confirmada ontem pelo GLOBO.

O crime de peculato consiste na apropriação ou desvio de bens em razão do cargo. A pena prevista no Código Penal é de dois a 12 anos de prisão e multa.

O documento do MPF é de 20 de março e foi elaborado com base em informações fornecidas pela Receita Federal. Na manifestação, os procuradores pedem a instauração de um inquérito policial para averiguar os fatos, mas como já havia uma investigação em andamento, o Ministério Público passou a trabalhar junto com a Polícia Federal (PF).

Na peça enviada à PF, os procuradores destacam a tentativa Marcos André dos Santos, então assessor do ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), de ingressar no Brasil sem declarar um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões.

“As circunstâncias objetivas do caso sugerem uma tentativa de desvio das joias retidas para o patrimônio particular do ex-presidente da República, com possível patrocínio do ex-secretário especial da Receita Federal, (Júlio Cesar Vieira Gomes)”, aponta trecho do documento do MPF.

No mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU) entende que joias são inquestionavelmente um bem de natureza pública e que não podem ser incorporadas a acervo privado, pois foram dadas ao Estado brasileiro. Por isso, os objetos devem integrar o patrimônio da União.

Interesse privado

Além de peculato, os procuradores identificaram indícios de patrocínio de interesse privado perante a administração fazendária, crime com pena de reclusão de um a quatro anos.

O MPF também chama atenção para a urgência na tentativa de retirar as joias. Aponta que o tenente-coronel Mauro Cid, exajudante de ordens do então presidente, tentou desviar as joias para o acervo pessoal de Bolsonaro “através de uma aparente ‘roupagem formal’”, o que não se concretizou em razão da “resistência” dos servidores da autarquia fiscal.

“A análise prefacial sugere a conclusão de que as circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, somadas à urgência desproporcional imposta ao procedimento, denotam a presença de indícios do cometimento, em tese, de crimes, os quais devem ser mais bem apurados”, ressalta a Procuradoria.

As joias seriam presentes do regime da Arábia Saudita à então primeira dama Michelle Bolsonaro. Os itens de luxo estavam com uma comitiva do governo que visitou o país do Oriente Médio e foram retidos pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, em outubro de 2021, após tentativa ilegal de entrada no país. O conjunto reúne colar, anel, relógio e brincos de diamantes. Também havia um certificado de autenticidade da marca suíça Chopard.

Na última terça-feira, a ex-Michelle confirmou que um outro conjunto de joias foi entregue no Palácio da Alvorada, onde ela morava.

Em depoimento à PF, uma funcionária do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do palácio relatou que o segundo conjunto de itens de luxo, estimado em R$ 2,5 milhões foi entregue em mãos para a mulher de Bolsonaro. Até a divulgação do depoimento da servidora pelo jornal O Estado de S. Paulo, a ex-primeira-dama negava ter conhecimento das joias.

O estojo, com itens também da Chopard, foi devolvido ao governo pela defesa do expresidente após determinação do Tribunal de Contas da União. Nele, haviam caneta, anel, relógio, par de abotoaduras e um masbaha, um tipo de rosário árabe. Do conjunto, o relógio se destaca, sendo avaliado em cerca de R$ 800 mil. O item de colecionador, do modelo L.U.C. Tourbillon Qualité Fleurier Fairmined, só teve 25 unidades produzidas.