O Estado de S. Paulo, n. 46657, 15/07/2021. Economia, p. B2

Global ou paroquial
Celso Ming


Como bem observa o analista Martin Wolf em sua coluna no Financial Times, o mundo oscila entre fatos e decisões globais e, ao mesmo tempo, se aferra às opções tribais. Não há coerência nas políticas adotadas e nas consequências que as seguem.

Nada mais ilustrativo do que a pandemia. Em poucos meses, a covid-19 deixou uma província chinesa e se tornou global. Também por impulsos globais, as vacinas chegaram rapidamente. Mas as autoridades seguem tomando decisões paroquiais. Gastaram quase US$ 17 trilhões para combater os efeitos econômicos da pandemia, mas não foram capazes de aplicar 0,1% disso em vacinas para a população mundial. Nem de entender que, enquanto houver apenas um ser humano não imunizado, a pandemia continuará sendo ameaça. A desigualdade também se espraiou. Os ricos tiraram proveito da pandemia e se tornaram mais ricos. Os pobres ficaram mais pobres.

A União Europeia anunciou a criação de uma taxa de carbono sobre as importações produzidas de maneira não adequada aos seus padrões ambientais. É decisão que leva jeito de protecionismo hipócrita. Protecionismo, porque é outro jeito de impedir a entrada de produtos de outros países. É hipócrita porque nada menos que 45% da matriz energética da União Europeia provém da queima de combustíveis fósseis: as máquinas funcionam com uma chave na tomada elétrica e não com queima de derivados de petróleo, mas quase metade dessa energia depende da produção de carbono.

A União Europeia prepara-se, também, para exigir que os aviões que operam em seus aeroportos substituam o querosene por combustível verde, muito mais caro, como está abaixo, no Confira. É outra decisão local com consequência global, porque qualquer avião tem de ser capaz de operar em aeroportos da União Europeia.

Nesta terça-feira, saiu a inflação dos Estados Unidos. Uma pancada de 0,9% em junho que aponta para 5,4% em 12 meses (veja o gráfico). Não tem impacto apenas sobre os Estados Unidos. Mais cedo ou mais tarde, o o Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, terá de puxar pelos juros, o que fortalecerá o dólar, com consequências sobre a economia mundial

As grandes potências temem o avanço da China e redesenham a geopolítica a partir daí. No entanto, bastaram as primeiras informações de que o crescimento econômico da China pode desacelerar para levantar outros temores: os de redução do PIB do mundo.

Há algumas semanas, as potências reunidas no G-20 chegaram a um acordo para começar a taxar as multinacionais. Como isso vai funcionar ainda não se sabe. É passo importante para definir uma política fiscal universal. E, no entanto, as mesmas potências não são capazes de acabar com os paraísos fiscais. Querem a extinção dos paraísos dos outros, contanto que não mexam com os próprios.

Para o bem e para o mal, o planeta virou uma aldeia. Decisões e omissões estão sendo irremediavelmente compartilhadas. O que se pergunta agora é se povos e autoridades estão dispostos a assumir as consequências disso.

Confira

» Combustível para aviação

A aviação civil é responsável pelas emissões de 915 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, 2% do total. Ainda não está claro o que será do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), que deverá substituir ou ser misturado ao querosene de aviação, mas a tecnologia é apontada como um dos principais impulsionadores da transição energética e um motor importante para diminuir as emissões do setor de aviação.