O Estado de S. Paulo, n. 46658, 16/07/2021. Política, p. A7

Empresário implica coronel da reserva

Vinícius Valfré
Daniel Weterman


O depoimento do empresário Cristiano Carvalho à CPI da Covid, ontem, fez com que o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), cobrasse do governo a demissão do coronel Elcio Franco. Ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, Franco foi apontado por Carvalho, representante da Davati Medical Supply no Brasil, como o homem que negociou com ele, diretamente, a venda de vacinas contra o coronavírus.

O coronel da reserva é hoje assessor especial da Casa Civil e despacha no Palácio do Planalto em um andar acima do presidente Jair Bolsonaro, mesmo pressionado pela investigação do Senado. Não foi apenas o coronel, no entanto, o integrante das Forças Armadas implicado por Carvalho. O empresário citou um grupo de oito militares que atua ou atuava até recentemente no governo em um pedido de propina pelas doses. A Davati tentou vender 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca para o governo sem comprovar a viabilidade de entrega e sem autorização dos fabricantes.

Em janeiro, quando ainda era o número 2 do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, Franco deu ordem para que o seu setor centralizasse todas as tratativas sobre aquisição de imunizantes contra a covid-19, como antecipou o Estadão. Menos de um mês após deixar a Saúde, ele foi abrigado na Casa Civil.

"Eu sugiro, para o bem do País, que um cidadão como o coronel Elcio Franco não pode estar na antessala do presidente mais. Não pode, não pode. Você não pode passar a mão em cima de uma pessoa que brincou com a vida das pessoas negociando vacina fantasma. Vacina fantasma, e ainda com um indício muito forte de que houve pedido de benefícios", afirmou Aziz.

A cobrança foi endossada pela cúpula da CPI. Os senadores do grupo majoritário, intitulado G-7, destacaram que Franco continua "falando pelo governo", "mentindo" e sendo "entusiasticamente defendido" pela bancada governista.

A CPI da Covid apura o motivo de o governo ter desprezado ofertas de grandes fabricantes, como a Pfizer, e aberto as portas para empresas sem expertise no ramo, como a Davati e a Precisa Medicamentos.

Representante da Davati, Carvalho foi chamado à CPI após o policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que também se apresentou como vendedor da empresa, ter relatado, sem provas, um pedido de propina pelo então diretor de Logística em Saúde do Ministério, Roberto Ferreira Dias, que chegou a ser preso pela comissão na semana passada. Dias também foi demitido do Ministério da Saúde.

O empresário disse ainda que soube por Dominghetti do pedido de um "comissionamento" pelo "grupo do Blanco" na negociação das vacinas. Foi mais uma referência a pessoas ligadas ao coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde.

Carvalho afirmou ter sido levado a uma reunião no Ministério da Saúde, em 12 de março, pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), pelo coronel da reserva Hélcio Bruno, do Instituto Força Brasil, e por Dominghetti. O encontro foi para negociar a venda de vacinas com Elcio Franco, após o jantar entre Dominghetti e Roberto Dias, realizado em Brasília no dia 25 de fevereiro. O empresário observou, porém, que havia um grupo paralelo, ligado a Dias, e um núcleo não sabia da atuação de outro.

"Quero aqui também manifestar o meu desconforto com os diálogos que foram mantidos entre os representantes da Davati e servidores públicos ou ex-servidores públicos, numa narrativa em que a gente constata a falta de capacidade técnica para que essa empresa pudesse tratar com o governo. Eu estou realmente, digamos assim, constrangido", afirmou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

No mês passado, Franco e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, rebateram juntos denúncias feitas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, o servidor público Luis Ricardo Miranda, de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.

Franco teria sido um dos que pressionaram Luis Ricardo para antecipar o pagamento de US$ 45 milhões por apenas um lote de Covaxin para uma offshore em Cingapura, paraíso fiscal, como indicava a "invoice" (nota fiscal). O contrato, porém, era com a Precisa, representante do laboratório Bharat Biotech no Brasil. O coronel e Onyx chamaram a denúncia de "fantasiosa".

Auxílio emergencial. Mesmo hospitalizado, Bolsonaro usou as redes sociais para criticar o trabalho da CPI da Covid. "O que frustra o G-7 é não encontrar um só indício de corrupção em meu governo. No caso atual querem nos acusar de corrupção onde nada foi comprado, ou um só real foi pago", escreveu o presidente. "Um 'negócio' bilionário onde o Cristiano, para 'sobreviver', usa do artifício de se beneficiar do auxílio emergencial (sacou e não devolveu os R$ 4.100 em 2020)", emendou ele, numa referência ao fato de Carvalho ter admitido que recebeu o auxílio emergencial.