Título: Dívida supera rendimento
Autor: Samantha Lima e Bruno Rosa
Fonte: Jornal do Brasil, 11/09/2005, Economia & Negócios, p. A18

O advogado João Medeiros, de 59 anos, conta que não é difícil se enrolar com as datas de vencimento das contas. - Não sou organizado. Mês passado, parte do meu salário já estava comprometida com o desconto em folha. E, para piorar, tinha a fatura do meu cartão vencendo e dois cheques pré-datados caindo na conta - narra João.

Além da oferta farta de recursos e a dificuldade de planejamento, a renda baixa é mais um fator que lança o brasileiro no mar do crédito fácil.

- O nível de endividamento dos brasileiros é maior que sua capacidade de pagamento. Por isso, no primeiro semestre deste ano alguns setores já estão com uma alta taxa de inadimplência. Mas é a única forma de as pessoas aderirem ao consumo. O problema é que, quanto maior a demanda, maiores os juros e aí entra-se num círculo vicioso - avalia Ricardo Braga, diretor-presidente da Cardif do Brasil.

Professor de finanças da FGV-SP, William Eid Júnior compartilha a preocupação com o avanço do crédito.

- Voltar atrás nesse ritmo de crescimento de crédito é difícil, a besteira já está feita. O que nos resta é a educação. Pelo menos, algumas instituições já estão preocupadas em disseminar a idéia de crédito consciente - avalia o economista.

A realização de campanhas de conscientização sobre as ferramentas de crédito não se trata de um rompante altruísta das instituições. O setor está realmente preocupado com o avanço desordenado desse mercado e com os limites de endividamento dos consumidores - o que poderia comprometer a sustentabilidade do mercado no futuro.

Recentemente, algumas dessas empresas procuraram a Serasa para obter uma resposta à questão. A instituição verificou uma tendência de alta na inadimplência, mas assegurou aos empresários que não há risco porque a expansão do crédito compensou com sobras as perdas.

- O crédito no Brasil ainda tem muito a crescer. Somente em agosto deste ano, voltamos a um estoque total, incluindo pessoa física e pessoa jurídica, de R$ 460 bilhões de reais. É o mesmo patamar verificado em abril de 2002, antes da crise pré-eleitoral - minimiza o economista da Serasa, André Chagas.

O economista Fábio Fonseca, do Ibmec-RJ, tem a mesma opinião.

- O Brasil sempre teve uma taxa de crédito baixa, e é natural que o brasileiro saia para o consumo diante de tanta oferta. Não vejo risco de bolha, desde que a expectativa da economia se mantenha e que o nível de emprego caia.

William Eid, da FGV-SP, teme, porém, que o Brasil se torne uma ''nação de endividados''. A preocupação faz sentido ao analisar os dados da seguradora Cardif. No ranking dos encalacrados com as contas no fim do mês - metade dos consumidores -, o Brasil é superado com folga pela Espanha, que tem 31% de consumidores em dificuldades. Em seguida, estão Alemanha e Chile, com 30% e 27%, respectivamente. O levantamento ouviu mais de 14 mil pessoas em 13 países no início deste ano. (S.L. e B.R.)