O Estado de São Paulo, n. 46688, 15/08/2021. Política p.A4

 

Bolsonaro quer afastar ministros do Supremo

 

Renato Vasconcelos

Vera Rosa

Anne Warth

 

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem, nas redes sociais, que vai apresentar ao Senado, na próxima semana, pedido de impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sob o argumento de que os dois magistrados “extrapolam com atos os limites constitucionais”. A decisão de Bolsonaro foi tomada logo após ele ser informado que Barroso convidou o vice-presidente Hamilton Mourão para um encontro reservado em sua casa, na última terça-feira, como revelou o Estadão.

Ao saber dessa reunião, Bolsonaro teria ficado furioso. A portas fechadas, avaliou que Mourão tem feito “dobradinha” com Barroso – que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e com outros ministros do Supremo, participando de uma “conspiração” para derrubá-lo. Como apurou a reportagem, o ministro chamou Mourão para uma conversa, no entanto, porque estava preocupado com a escalada de tensão entre os Poderes e queria saber se, de fato, havia risco de ruptura institucional no País.

Alvo de xingamentos e de declarações de Bolsonaro, repetidas pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, segundo as quais não haveria eleições em 2022 sem voto impresso no País, Barroso procurava entender a posição das Forças Armadas na crise. A reunião ocorreu no mesmo dia em que houve um desfile de blindados na Praça dos Três Poderes, fato visto como afronta pela Câmara dos Deputados que, horas depois, derrubou a proposta de voto impresso, bandeira de Bolsonaro.

Acuado pelo Supremo, que abriu mais uma investigação contra suas ações na quinta-feira, 12, por vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre tentativa de invasão no sistema do TSE, Bolsonaro tenta reagir com uma ofensiva contra o Judiciário.

Alexandre de Moraes é o ministro que mandou prender, na sexta-feira, o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro e presidente do PTB, acusado de divulgar mensagens com o intuito de “tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao TSE e ao seu presidente”. Além disso, o ministro autorizou a inclusão de Bolsonaro no inquérito das fake news, que já atinge vários de seus apoiadores.

Barroso, por sua vez, é classificado por Bolsonaro como o ministro responsável por promover uma “guinada” na comissão especial da Câmara que analisava o voto impresso para derrotar o governo. E Mourão, no diagnóstico do presidente, virou um “traidor”. O vice tem sido escanteado por Bolsonaro há tempos. Influenciado pelos filhos, principalmente pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o chefe do Executivo sempre achou que Mourão conspirava contra ele e passou a não chamálo para reuniões ministeriais.

Embora o general tenha assegurado a Barroso, na terça-feira, que não havia a mínima chance de as Forças Armadas impedirem as eleições de 2022 porque não embarcariam em uma aventura golpista, Bolsonaro observou, em conversa com dois ministros, que o vice se juntou ao “inimigo”. Está convencido de que ele quer construir a estratégia do seu impeachment.

“Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos”, escreveu Bolsonaro no Twitter, numa referência indireta ao diálogo entre Mourão e Barroso. “De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais.” E conclui Bolsonaro: “Na próxima semana, levarei ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”.

Nos bastidores, ministros do Supremo, deputados e senadores dizem que a investida do presidente contra Barroso e Moraes será arquivada . Com perfil conciliador, Rodrigo Pacheco já tenta resolver o novo impasse, e passou o dia em conversas políticas. Ele quer ser candidato ao Palácio do Planalto em 2022 e recebeu convite do ex-prefeito Gilberto Kassab para sair do DEM e se filiar ao PSD. Até aliados de Bolsonaro veem a estratégia de enfrentamento ao Supremo como arriscada, pois servirá para aumentar ainda mais a temperatura da crise.

 

Forças Armadas. Bolsonaro e Braga Netto participaram, ontem, de uma cerimônia de entrega de espadins a cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). Ao lado de Bolsonaro, que não discursou no evento, Braga Netto disse aos cadetes que confiem na cadeia de comando das Forças Armadas, e que os “líderes e superiores” representam a palavra oficial da instituição. “Confiem na cadeia de comando e na lealdade de seus líderes e superiores, eles representam a palavra oficial da Força.”

No discurso, o ministro da Defesa citou um trecho da Constituição que diz respeito às Forças Armadas, o artigo 142, mas fez alterações na parte final do texto constitucional: “Reafirmo que Forças Armadas continuarão com fé em suas missões constitucionais, como instituições nacionais e permanentes, com base na hierarquia e disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República, para assegurar a defesa da pátria, da soberania, da independência e harmonia entre poderes, manutenção da democracia e liberdade do povo brasileiro”.

A Carta, no entanto, não diz exatamente o que afirmou o ministro, que substituiu a parte final do artigo. “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, diz o texto.

 

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Ministros apostam numa 'pacificação' no Senado.

 

Magistrados avaliam deixar presidente sem resposta; nos bastidores, consideram ameaça mais uma 'aventura golpista'

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) não pretende se manifestar sobre a ameaça feita nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro de pedir o impeachment dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes ao Senado. O Estadão/Broadcast apurou que ministros da Corte acreditam que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não dará andamento a eventual processo e apostam numa pacificação liderada pela Casa.

Sob anonimato, ministros definiram o anúncio do presidente como “mais uma aventura golpista” e consideram que o melhor, neste momento, é deixar o presidente sem resposta, falando apenas para seus apoiadores. Procurado, o STF não se manifestou.

No Twitter, políticos desqualificaram a ameaça. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da Bancada Feminina, lembrou que Bolsonaro pode ser alvo do mesmo artigo que citou na ameaça aos ministros do STF. “Quem pede pra bater no ‘Chico’, que mora no inciso II, artigo 52, da CF, se esquece de que o ‘Francisco’ habita o inciso I, do mesmo endereço”, escreveu, referindo-se aos trechos da Constituição que mencionam a possibilidade de impeachment dos ministros do STF e do presidente da República.

“Ministros do STF podem e devem ser investigados por fatos concretos, mas o tal pedido de impeachment que Bolsonaro pretende apresentar contra Barroso e Moraes é só + uma cortina de fumaça para tentar esconder o mar de crimes comuns e de responsabilidade que o próprio PR cometeu”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ) comparou com as ações do ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez. “Assim atuam os populistas. Depois de eleitos, atacam as instituições democráticas e tentam destruir a democracia representativa e o Estado democrático. É, na verdade, um ditador igual a Chávez”, escreveu.