Título: Gaza volta às mãos palestinas
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/09/2005, Internacional, p. A7

Desde o amanhecer de hoje a Faixa de Gaza pertence apenas ao povo palestino. Em uma cena histórica, o exército israelense baixou pela última vez, ontem, a bandeira nacional na cerimônia militar de retirada do território após 38 anos de ocupação. Cerca de 200 soldados participaram da cerimônia presidida pelo general Aviv Kochavi em Neve Dekalim, a maior das 21 colônias desocupadas em agosto. A transferência conjunta, prevista para acontecer antes, foi boicotada pela Autoridade Palestina depois que Israel anunciou o fechamento unilateral da passagem de Rafah, que liga Gaza ao Egito. No fim do dia, porém, as forças de segurança palestinas assumiram o controle, desembarcando os primeiros contingentes em Gush Katif.

- Partimos de cabeça erguida, é o início de uma nova era, esperamos que a porta que vamos abrir para partir seja a da paz, da esperança, da boa vontade e da boa vizinhança, mas se soprarem maus ventos, saberemos fazer frente a eles - afirmou Kochavi, cumprindo o decreto do premier Ariel Sharon, determinando o fim da administração militar na região, em vigor desde 1967. Na mesma reunião decidiu-se que as 26 sinagogas da área não seriam demolidas.

- Elas simbolizam a ocupação. Vamos pô-las todas abaixo - disse o conselheiro palestino de segurança, Jibril Rajub, em meio a buzinaços e manifestações de alegria.

- É o nosso dia mais feliz em décadas - comemorou Sami Abu-Akar, 35, anos em meio a uma multidão em Khan Younis.

Retiraram-se também as tropas do Corredor Filadélfia, a faixa de fronteira com o Egito. Por acordo, 750 soldados do Cairo começaram no sábado a se ocupar do setor, com a missão de impedir o contrabando de armas para Gaza.

A desocupação marca o debate sobre o status jurídico do território. Israel diz que não há mais ocupação, mas a ANP não está tão certa. A ONU, principal árbitro em questões assim, está indecisa. A confusão deve continuar por um bom tempo.

- Não queremos ter qualquer responsabilidade sobre aquela área - afirma o ministro da Defesa israelense, Shaul Mofaz.

A ANP avalia que a ocupação não terá acabado enquanto Israel não liberar o espaço aéreo, as vias marítimas e os postos de fronteira da Faixa de Gaza. Tal dispositivo ainda é mantido, segundo os militares, porque Gaza é reduto de extremistas do Hamas e da Jihad Islâmica, comprometidos com a destruição do estado judeu. Os mesmos grupos argumentam que não baixam as armas justamente porque a presença militar de Israel continua.

Os moradores de Gaza dizem que, embora podendo se deslocar dentro do território, ainda estarão dentro de uma grande prisão.

Dois padrões são a base da discussão jurídica. O primeiro é o Regulamento de Haia, de 1907, que afirma que um território ''é considerado ocupado quando é de fato posto sob a autoridade do exército hostil''. O outro é a Convenção de Genebra, de 1949, que lista a responsabilidade da força de ocupação de fornecer serviços básicos aos cidadãos do território ocupado, permitindo o livre acesso de organizações de assistência e não deslocando seus próprios cidadãos para lá.

Israel afirma que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, capturadas na Guerra dos Seis Dias, de 1967, não estiveram sob ocupação, mas apenas ''em disputa''. Observa que os territórios nunca chegaram a constituir um Estado de fato e que o controle jordaniano sobre a Cisjordânia e egípcio sobre a Faixa de Gaza, por 19 anos, nunca foram reconhecidos. Insiste que a Convenção de Genebra é um pacto entre Estados e não se aplica ali.

Já os palestinos são céticos quanto aos motivos da desocupação. Temem que Sharon troque Gaza pelo controle permanente de partes maiores da Cisjordânia, onde 245 mil colonos vivem entre 2,4 milhões de palestinos. Sob o acordo interino de paz de Oslo, Gaza e Cisjordânia são uma unidade geográfica única: ou seja, ou é toda ocupada, ou não é. Assim, dizem que a retirada encerra a ''colonização'' mas não a ocupação em si. Israel diz que Gaza pode construir um porto e até ter um corredor rodoviário ou ferroviário que o ligue à Cisjordânia. Por enquanto, porém, pretende conservar o domínio sobre o espaço aéreo e as vias marítimas e excluiu a possibilidade de autorizar a reabertura do aeroporto de Gaza num futuro próximo.