O Estado de S. Paulo, n. 46659, 17/07/2021. Internacional, p. A16

Análise: O dia em que cubanos perderam o medo

Javier Corrales


Inesperadamente, os cubanos tomaram as ruas no domingo. Eram dezenas de milhares pedindo liberdade e comida. É difícil imaginar um diagnóstico mais sucinto do problema desta que é a mais antiga ditadura da América Latina. Há mais de seis décadas o regime cubano nega à sua população todos os elementos básicos fundamentais para o espírito e o corpo humano. Naturalmente, o embargo imposto pelos EUA não ajuda.

Apesar de as queixas já serem antigas, observamos algo novo nas manifestações de domingo: o seu alcance. Os protestos irromperam em massa, espontaneamente, por todo o país. No passado, os protestos se limitavam a pequenos grupos, especialmente na capital, Havana. Mas no domingo o "medo de participar" coletivo desapareceu. A solidariedade venceu a atitude mental do "vire-se por sua conta e risco".

A manifestação mais próxima dos protestos de domingo em Cuba foi o "maleconazo", em 1994, quando centenas de cubanos se reuniram na famosa esplanada à beiramar em Havana, Malecón, para protestar contra a depressão econômica.

Os motivos que desencadearam os dois protestos são similares. Hoje, como em 1994, Cuba sofre por causa das turbulências vividas por seu principal suporte financeiro e fornecedor de petróleo: a antiga União Soviética em 1994, e desde 2016 a Venezuela. Hoje, como em 1994, o país passa por uma contração econômica que já dura cinco anos.

No início de 2021, o regime cubano introduziu algumas reformas, como o fez um ano antes do "maleconazo", e, novamente, foram muito tímidas e só beneficiaram os cubanos bem relacionados. Agora os cidadãos sabem que as medidas significam que algumas pessoas privilegiadas vão enriquecer ao passo que o restante da população não vai ganhar nada. Hoje, os celulares e o Wi-fi estão disponíveis e os cubanos puderam compartilhar em tempo real as manifestações que irromperam pelo país. Outra diferença é a pandemia. Em Cuba, ela desmascarou a decadência do sistema público de saúde. Cerca de 26,4% da população foi vacinada.

É muito cedo para dizer o que acontecerá em Cuba. Mas os manifestantes se expressaram de forma clara. Com mais liberdades eles conseguirão criar uma nação mais forte; com mais comida conseguirão sobreviver e ter uma vida mais saudável. Patria y Vida, é o que eles querem.

É Diretor do Departamento de Ciências Políticas no Amherst College