O Globo, n. 32715, 03/03/2023. Economia, p. 11

PIB cresce 2,9%, mas perde folego

Cássia Almeida
Vitor da Costa


Turbinado por estímulos fiscais e reabertura da economia, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 2,9% em 2022, informou ontem o IBGE. A economia começou 2022 com força, mas foi perdendo fôlego até cair 0,2% no último trimestre do ano —o que levou os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, a reforçarem os pedidos para o Banco Central reduzir os juros (leia mais na página 12). A Taxa Selic está hoje em 13,75% ao ano. Estes, além de abater o crescimento no quarto trimestre, devem comprometer o desempenho da atividade este ano, dizem especialistas, que projetam alta entre 0,5% e 1%.

Os serviços, principalmente ligados a turismo, lazer e eventos, concentraram a expansão. Segundo o IBGE, 83% da expansão do PIB vieram dos serviços, que subiram 4,2%.

Do lado da demanda, o consumo das famílias despontou: subiu 4,3%, a maior alta desde 2011. As transferências a famílias, taxistas e caminhoneiros, em plena campanha eleitoral, ajudaram a aumentar o consumo. Houve ainda a antecipação do 13º salário para aposentados e pensionistas e a liberação de FGTS. Desonerações e auxílios para as famílias “têm efeito direto e rápido na economia”, explica a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis:

—Tínhamos um gapgrande, com uma demanda reprimida, mas com maior poupança. As famílias que têm maior renda e demandam serviços puderam gastar esse dinheiro.

Impulsos fiscais

Depois de ser demitido, Jeferson Rodrigues, morador da Baixada Fluminense, de 38 anos, passou a trabalhar por conta própria. Em 2022, começou a fazer instalação de portas comerciais:

— A situação melhorou. Deu para pagar o plano de saúde da minha filha, fazer um lanche no fim de semana, até fazer uma festa de aniversário.

A expectativa para este ano, no entanto, é de freio no consumo. No quarto trimestre, ele já demonstrou desaceleração, com alta de apenas 0,3%, ante expansão de 1% nos três meses anteriores. Além de juros, a inflação alta também reduz o fôlego das famílias para gastos.

É a política monetária apresentando seus efeitos, afirma Paula Magalhães, economista-chefe da AC Pastore, que chama a atenção para o ritmo cada vez menor da atividade durante 2022. O ano começou com alta de 1,3%, mas terminou com queda de 0,2%:

— Isso deixa uma perspectiva ruim para este ano, que só será melhor pela agropecuária, que vai crescer.

Após a divulgação do PIB, o Itaú manteve a projeção de crescimento para 2023 em 1,3%, acima da média dos analistas. Segundo Natalia Cotarelli, economista do banco, a projeção está ancorada no bom desempenho do setor agropecuário, que sofreu em 2022 pelos impactos negativos das condições climáticas para a lavoura de soja, que responde por 48% da produção agrícola e caiu 11,4%.

Com a supersafra prevista para este ano, o Itaú projeta crescimento de 10,8% desse setor neste ano, diz Natalia:

— A safra da soja deve contribuir positivamente no crescimento do primeiro trimestre.

A agropecuária deve evitar que o PIB caia novamente neste início de ano — e dois trimestres seguidos de queda configurariam uma recessão técnica. Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity, afirma que os indicadores de confiança estão em baixa no começo do ano, um indicativo ruim para consumo e investimento. Mesmo que o PIB cresça no primeiro trimestre, diz, será um “falso positivo”, por estar muito concentrado em um setor.

Ele está pessimista, prevendo entre zero e 0,5% de expansão em 2023, diante da política monetária apertada.

Para Leonardo Costa, economista da ASA Investments, o avanço na agropecuária não será suficiente para compensar as perdas de outros setores:

— Mesmo ganhando peso ao longo do tempo, a dinâmica de serviços e da indústria, apartados da agropecuária, tem maior influência no PIB.

A ASA projeta expansão de 0,9% no primeiro trimestre, mas crescimento zero para 2023. Segundo Costa, o mercado de crédito está em desaceleração e as famílias estão muito endividadas.”

Segundo especialistas, porém, o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, o aumento do servidor público, o novo Bolsa Família e os efeitos positivos da reabertura da China podem favorecer o consumo, compensando um pouco o efeito dos juros.

— São impactos positivos, com algum impulso com aumento de gastos. O problema é que podem subir as expectativas de inflação, o que deixará os juros mais altos, comprometendo o resultado de 2024 —afirma Paula.

Fonseca observa que um regime fiscal que tenha algum controle do aumento de gasto público pode ser um “divisor de águas” bastante relevante para o desempenho do PIB:

— Caso o governo seja capaz de apresentar um regime que ancore as expectativas sobre a dinâmica fiscal de médio e longo prazo, pode haver efeito sobre a confiança empresarial e efeito indireto na política monetária.

O economista avalia que esse movimento pode antecipar o início do ciclo de baixa de juros. Ele não prevê corte na Selic este ano, mas diz que, com novo arcabouço fiscal, atividade mais fraca e recuo na inflação, “talvez possa acontecer.”

Queda da construção civil

A indústria, que subiu apenas 1,6% no ano, com queda de 0,3% no quarto trimestre, teve comportamento diverso dos serviços. O maior destaque foram os serviços públicos de energia, água e saneamento, com salto de 10,1% no ano, graças às chuvas, que encheram reservatórios e reduziram a necessidade de acionar as térmicas, que produzem uma energia mais cara.

A construção, também dentro do guarda-chuva da indústria, teve alta de 6,9% no ano, beneficiada pelo aumento da massa salarial e do período eleitoral, quando há mais obras públicas. No quarto trimestre, porém, ela caiu 0,7% —outro sinal de desaceleração que pesará este ano. Já a indústria de transformação, com matéria-prima mais cara e lockdown na China, caiu 0,3%. Também houve forte desaceleração dos investimentos. Em 2022, eles cresceram apenas 0,9%, ante 16,5% no ano anterior, quando houve a retomada econômica do pós-pandemia. Essa base forte explica, em parte, a desaceleração.

Mas a comparação trimestral também mostra trajetória decrescente. Os investimentos caíram 1,1% entre outubro e dezembro, após dois trimestres seguidos de avanço.

Fernando Montero, da Tullett Prebon Brasil Corretora, chama a atenção, em relatório, para a “despoupança” da economia — a taxa de poupança caiu de 17,4% para 15,9% —, o que ajudou a aumentar o consumo das famílias.

O PIB chegou a R$ 9,915 trilhões em 2022, com o PIB per capita em R$ 46.134,60, uma alta de 2,2%. (Colaborou Pedro Guimarães, estagiário sob a superviasão de Danielle Nogueira)