O Estado de S. Paulo, n. 46659, 17/07/2021. Economia, p. B3

Setores agem para manter subsídios

Adriana Fernandes


O buraco de R$ 30 bilhões que o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), deixou na arrecadação com as mudanças previstas na reforma do Imposto de Renda pode ficar maior. É que, para compensar o imposto menor para as empresas, o relator colocou cortes em vários incentivos fiscais, que ainda precisam ser validados pelo Congresso. E a experiência mostra que os parlamentares são refratários a tesourar benefícios dados por anos a setores específicos que têm forte poder de pressão no Congresso.

Do total de R$ 85 bilhões de medidas compensatórias para a queda o imposto das empresas e a correção da tabela das pessoas físicas em 2023, R$ 27,4 bilhões são de cortes de incentivos fiscais para setores específicos, como o fim de isenção de incentivos do Pis/cofins para as indústrias de produtos farmacêuticos, químicos, embarcações, aeronaves e termoelétricas, além de mudanças no desconto que as empresas têm na concessão do vale-refeição.

Esses setores já se movimentam no Congresso para barrar as mudanças com o alerta de aumento de preços. O relator também previu uma economia de R$ 300 milhões com o fim do supersalários, com votação ainda não concluída e sujeita a judicialização, e R$ 1,7 bilhão com o fim da isenção do IR para auxílio-moradia e transporte de agentes públicos, como políticos e juízes.

Em 2022, Sabino previu R$ 60 bilhões de medidas compensatórias, das quais R$ 25 bilhões cortes de renúncias. Incluiu na conta R$ 14,9 bilhões com mudanças na tributação de fundos de super-ricos. Outros R$ 880 milhões da conta de compensações é da atualização de imóveis pela pessoa física. No ano que vem, mesmo com as compensações, o parecer prevê rombo de R$ 27 bilhões.

Especialistas apontam que contar com a matemática do corte de renúncias para fazer uma redução mais agressiva da alíquota do IR das empresas em 12,5 pontos porcentuais é uma fragilidade do projeto. Outra é que os valores de ganho de receitas com a tesourada nos benefícios têm base em dados do comportamento atual, sendo de difícil mensuração o comportamento após o fim do incentivo.

Até mesmo integrantes da área econômica não acreditam que o Congresso cortará todas as renúncias, segundo apurou o Estadão. A conta mais provável é de um corte de apenas 40% a 50% das renúncias. A ala fiscalista do Ministério da Economia vê riscos na queda permanente de cerca de R$ 50 bilhões da arrecadação com as medidas incluídas no parecer.

Se a arrecadação prevista não se concretizar, o déficit aumentará. Mas a queda da carga tributária pode reduzir pressões extras sobre as despesas e o teto de gastos, que apareceram diante do quadro de forte aumento da arrecadação neste ano, superior a R$ 100 bilhões do previsto, na avaliação da equipe de Paulo Guedes. Tanto o ministro quanto o relator apostam na recuperação econômica e na arrecadação para cobrir as perdas com o IR das empresas.

Três tentativas recentes de cortar renúncias deram errado. Nesta semana, o presidente voltou atrás horas depois de sancionar uma lei que colocaria fim em incentivo fiscal para combustíveis importados destinados à Zona Franca de Manaus. O governo também não emplacou o fim imediato do regime especial de tributação para a indústria petroquímica (Reiq). A medida era uma compensação para a desoneração do diesel, mas o Congresso deu sobrevida ao programa.

"Não acredito que vá ter uma redução de benefícios que compense a queda do Imposto de Renda. Ainda mais depois de tantas mudanças", avalia Marina Marinho, professora em Direito Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Correa de Lacerda, há uma contradição nos cortes previstos de renúncias. "Quando se pegam medicamentos de uso contínuo, que afetam diretamente a população de baixa renda, é uma péssima escolha de justiça fiscal", diz.