Título: O fim de um ciclo político
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 12/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

O esfacelamento externo do PT - internamente, o partido sempre foi uma fragmentação de tendências e movimentos - revela, mais do que a derrocada prematura de um governo despreparado para exercer o poder, o final de um ciclo de nossa história política. De fato, somente agora estão sendo executados os últimos acordes da sinfonia que começou com a contra-revolução de 1964, em um fade que parece interminável, mas que pelo menos traz a certeza de que a horrenda música chegou ao fim e que o país deve preparar-se para uma outra. O desmantelamento do PT encerra um ciclo tão importante quanto lamentável de nossa história política, porque se trata do terceiro e último partido importante saído dos que se opunham ao regime militar. Todos eles - o PMDB, o PSDB e o moribundo PT - tiveram as suas oportunidades, democraticamente alcançadas, e somente contribuíram para desencantar o povo com os políticos em geral e com o futuro do país. Somando tudo, as duas fases do ciclo duraram de 1964 a 1984 e de 1985 até 2005, ou seja, 41 anos.

Os principais partidos de oposição aos governos militares, o PMDB e seu ''filho'', o PSDB, tiveram, de 1984 até 1989 e de 1993 a 1994 o primeiro e de 1995 até 2001 o segundo, para porem nossa economia nos trilhos do crescimento sustentado. Não mostraram competência para fazê-lo, o que levou, em 2002, cerca de 30 milhões de descontentes e mais os 20 milhões de integrantes da seita petista a colocarem Lula e seu partido no poder. A política econômica do governo Lula-PT, que haviam passado as duas décadas anteriores bradando contra todas as que foram executadas, tem sido a mesma aplicada pelo tucanato, ao passo que o lado político do governo, a par de uma formidável inoperância e de um paquidérmico imobilismo, meteu-se em negociatas espúrias que vieram à tona quando um dos ex-beneficiados, Roberto Jefferson, ao perder a parte que lhe cabia no latifúndio estatal, resolveu soltar a voz na estrada e, mesmo desafinando a cada compasso, mostrar ao país que tipo de gente estava a nos governar. Assim, o governo Lula-PT (ou PT-Lula) acabou antes de terminar, para contrariar a máxima do falecido Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

O PMDB teve a sua chance, mas seus economistas nada fizeram de bom, a não ser ensinar, para quem tivesse o mínimo de perspicácia, que a heterodoxia mirabolante dos planos econômicos, os congelamentos de preços e o dirigismo nada mais são do que fracassos com datas marcadas. Seguiu-se o governo de Fernando Collor e os economistas de esquerda, comandados por aquela senhora que nos tungou em março de 1990, mostraram que não haviam entendido os fracassos anteriores: mais dois congelamentos de preços, com todas aquelas pirotecnias spielbergianas, que perpetuaram a estagnação econômica e a inflação. Com o impeachment de Collor, a ascensão de Itamar e a fragmentação do PMDB, o PSDB foi se aproximando do poder, levando Fernando Henrique ao cargo de ministro da Fazenda e gerando o real, que manteve os tucanos ao Planalto por dois mandatos consecutivos. Mas o Real, que fora concebido como simples meio para a criação de uma moeda forte, com vistas a um objetivo bem maior - o do crescimento sustentado -, transformou-se em um fim, para manter o poder nas mãos (ou penas) tucanas. As reformas do Estado, tão prometidas, não foram à frente. Estelionato eleitoral puro.

Encerra-se um ciclo, mas, sem uma reforma política de fôlego, é difícil imaginar que o próximo será virtuoso. Uma simples pergunta convencerá o leitor desta minha convicção: em quem você pretende votar no ano que vem? É tempo de experimentarmos o federalismo político, administrativo e econômico, partidos programáticos, voto distrital misto, fidelidade partidária e cláusulas de barreira. A solução para o país passa necessariamente por isto.