O Globo, n. 32716, 04/03/2023. Política, p. 4

Crise em andamento

Bruno Góes


A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu que o ministro das Comunicações se afaste do cargo para responder a uma série de denúncias. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pediu cautela. Destino de Juscelino Filho, que é do União, sigla da base aliada que vem gerando insatisfação no Planalto, deve ser selado após reunião com Lula.

O aumento da pressão pela saída do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União), pôs em lados opostos dois aliados de primeira hora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que defendeu publicamente o afastamento temporário do aliado, e o titular da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que pediu cautela em relação aos apelos pela exoneração do ministro. Juscelino se reunirá com Lula na segundafeira para prestar contas sobre as denúncias de que teria usado jato da Aeronáutica para ir a um leilão de cavalos e recebido diárias pela viagem. Deputada federal pelo Paraná, Gleisi foi a primeira autoridade governista e se manifestar em favor do afastamento de Juscelino. Durante entrevista concedida ao Metrópoles, ela argumentou que essa seria uma maneira de evitar constrangimentos. — Olha, em situações como essa, eu acho que o ministro devia pedir um afastamento para poder explicar, justificar, se for justificável o que ele fez. Isso impede o constrangimento de parte a parte — declarou Gleisi, colocando em dúvida a retidão da conduta de Juscelino. O movimento da parlamentar tem como pano de fundo a disputa por espaços no primeiro escalão e o descontentamento com o União Brasil, o partido do ministro. A presidente do PT já criticou a legenda por não garantir a adesão ao governo desejada pelo Palácio do Planalto, mesmo tendo indicado os titulares de três ministérios (Comunicações; Turismo; e Integração e Desenvolvimento Regional).

— Em relação ao União Brasil (...), mesmo sendo contemplado como foi, é um partido que não está fazendo entrega. Se não estiver fazendo entrega, não tem porque permanecer onde está — disse em entrevista à Folha de S.Paulo no início do mês passado. Embora esteja entre os partidos da base que receberam a maior cota de pastas do primeiro escalão depois do PT, o União Brasil não pacificou seus quadros em torno do apoio a Lula. As negociações da legenda foram conduzidas pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP). Por isso, os deputados da sigla não se sentem representados e têm exigido mais cargos para votar de acordo com os interesses do Planalto. A bancada do partido na Câmara trabalhou pela escolha do deputado Elmar Nascimento (BA), que também é próximo ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para a Integração Nacional. A empreitada foi barrada pelos petistas da Bahia, de quem Elmar é adversário. Para contornar o problema, o governo decidiu entregar o comando da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) a um indicado de Elmar. Responsável por capitanear a articulação do Executivo com o Congresso, Alexandre Padilha tentou baixar a temperatura da crise e foi em sentido oposto ao de Gleisi. Ontem, ao comentar a situação de Juscelino Filho, ele argumentou que a precipitação de julgamentos pode dar origem a injustiças. Há em parte do governo a avaliação de que a demissão pode complicar ainda mais a relação com o União Brasil no Congresso. —Como disse o presidente Lula, todos os ministros e ministras, independentemente do partido, têm direito a presunção de inocência. O que se espera é que tenham espaço para sua defesa. E tenho certeza que o farão, sem prejulgamentos. Já vi muita gente ser afastada por prejulgamentos injustos, inclusive companheiros do PT —disse Padilha ao GLOBO.

"Sou o maior interessado"

O ministro das Relações Institucionais se referiu a uma declaração de Lula no dia anterior. Na ocasião, o presidente afirmou que, caso Juscelino não consiga provar a própria inocência, ele "não pode ficar no governo". Juscelino Filho afirmou ao GLOBO ser o maior interessado no encontro com Lula e, no tom de Padilha, disse ter a presunção da inocência. — Assim que chegar em Brasília irei procurar o presidente Lula para esclarecer todos os fatos. Eu sou o maior interessado nessa reunião, porque quero deixar claro que não fiz nada de errado, e que as denúncias são infundadas —disse Juscelino. O ministro utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar de Brasília para São Paulo, onde participou de uma série de eventos relativos ao mercado de cavalos, tema do qual é negociante e entusiasta. Em solo paulista, ao longo do fim de semana no fim de janeiro, o titular da pasta manteve apenas duas horas e meia de agendas oficiais. Ao solicitar o voo, Juscelino classificou a viagem como "urgente". As informações são do jornal Estado de S.Paulo. Além disso, segundo o jornal, o ministro, que foi eleito deputado federal no ano passado, não informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de ao menos R$ 2,2 milhões em cavalos de raça. — Não houve qualquer irregularidade nas viagens, está tudo documentado. Tenho direito à presunção de inocência — reforça o ministro.