O Globo, n. 32717, 05/03/2023. Opinião, p. 2

Em busca de um pacto

Merval Pereira


A reforma tributária, um dos pilares do projeto reformista do governo Lula, que dependerá de ampla negociação no Congresso, terá um debate muito mais amplo do que apenas o aspecto financeiro, no que depender dos governadores dos sete estados que compõem o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Consud), que se reuniram nos últimos três dias no Rio.

O aspecto político da relação entre os entes federativos (municípios, estados e governo federal) foi destacado por todos os governadores – de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – que desejam uma maior autonomia diante do governo federal e uma relação de menos submissão orçamentária.

O governador do Rio, Claudio Castro, usou o termo “agiotagem” para criticar os termos da negociação das dívidas dos estados e foi seguido por todos os demais, independente da questão partidária. Com linguagem menos coloquial, mas com o mesmo espírito, a carta do Rio de Janeiro, lançada ao final do encontro, ressalta que “os estados do Sul e do Sudeste respondem por 93% da dívida pública com a União, representando cerca de 60 bilhões e que, em alguns casos, sua dinâmica se mostra insustentável”.

“É impensável que, num ambiente onde o crescimento econômico é muito inferior aos encargos dos contratos de dívida com a União, os estados paguem suas dívidas e ainda invistam em infraestrutura, modernização e na manutenção dos serviços públicos essenciais”, ressaltam os governadores.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, otimista em relação às negociações, ressaltou que o equilíbrio fiscal e a política de proteção do meio ambiente são as duas diretrizes básicas para a negociação dos estados e municípios com o governo federal. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Antônio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais e ex-senador, fez uma análise interessante do que chamou de “DNA” do brasileiro, forjado a partir da dependência da Coroa portuguesa, que seria o de esperar a chegada de um “salvador da Pátria” para resolver as questões do país.

Essa tendência, reafirmada pela preferência do presidencialismo já constatada várias vezes em plebiscitos, seria a base da centralidade do governo federal nas decisões políticas e econômicas. Para Anastasia, essa situação só mudará se houver uma reeducação cívica dos cidadãos e “magnanimidade” do governo federal para entender que, ganhando os estados e municípios, ganhará o país como um todo.

O poder do pacto federativo foi exemplificado com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir que os estados tomassem a frente da ação contra a Covid-19, diante da inércia e, muitas vezes, da ação negativa do governo federal. A vacinação contra a Covid, que já estava atrasada, seria muito mais prejudicada se a decisão final ficasse a cargo do governo Bolsonaro.

O ministro Padilha garantiu que o governo federal está disposto a trabalhar em conjunto com estados e municípios, e na Carta do Rio de janeiro os governadores também se colocam prontos a trabalhar em conjunto com o governo federal e municípios na aprovação de uma reforma tributária de base ampla, que aumente a eficiência econômica: “Ao persistirmos neste descompasso, os estados acabarão por perder dinamismo econômico, gerando menos emprego e renda, dificultando o combate à redução da pobreza”.

O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, ligado ao ex-presidente Bolsonaro, defendeu que o país teve “uma série de avanços nos últimos anos com reformas estruturantes que destravaram setores da nossa economia”, ressaltando as concessões, “uma forma de diminuir os gastos” e melhorar a eficiência dos serviços.

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