O Estado de São Paulo, n. 46690, 17/08/2021. Economia p.B4

 

Reforma do IR deixa R$ 200 bi fora da mira


Parte dos lucros no Simples e no regime de ganho presumido não sofre tributação

Adriana Fernandes

 

Um terço do ganho obtido pelas empresas do Simples e que declaram pelo lucro presumido – um regime simplificado muito usado por profissionais liberais, como médicos, advogados, economistas e contadores – não é tributado nem na pessoa jurídica nem na pessoa física pela Receita. O total não recolhido equivale a cerca de R$ 200 bilhões em valores atuais.

Os dados foram compilados por Rodrigo Orair, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e especialista no tema, para alertar sobre dispositivo que consta na proposta de reforma do Imposto de Renda – que está prevista para ser votada hoje pela Câmara – que pode aumentar a perda de arrecadação.

A reforma do IR encaminhada pelo governo ao Congresso, em junho, pretendia impor uma taxação de 20% sobre os dividendos pagos por essas empresas aos acionistas quando superassem R$ 240 mil anuais (ou R$ 20 mil por mês). No entanto, o relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), com apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, cedeu às pressões de várias entidades de profissionais liberais e isentou as companhias enquadradas no Simples e as empresas do lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 milhões de pagar o novo imposto.

Além disso, o parecer apresentado pelo relator também reduz a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) paga pelas empresas de lucro real e de lucro presumido. Ou seja, empresas do lucro presumido seriam duplamente beneficiadas.

A distribuição dos dividendos pagos pelas empresas aos seus acionistas como remuneração ao capital investido é isenta no Brasil há 25 anos. O retorno da cobrança é o tema mais polêmico do projeto e, para afastar as resistências políticas, o relator acabou ampliando a isenção prevista no projeto inicial enviado pelo governo.

"Estamos diante de um caso clássico de dupla não tributação dos lucros", afirma Orair. O economista explica que o volume de lucros isentos corresponde à diferença entre o lucro efetivo das empresas e aquele considerado para base de cálculo dos impostos, geralmente um porcentual fixo sobre o faturamento. No caso do setor de serviços, por exemplo, presume-se (daí o nome lucro presumido) que 32% do faturamento é lucro, quando na realidade é muito comum que 50% a 80% do que a empresa arrecada se transforme em dividendos para sócios.

 

Outros países. Em economias mais desenvolvidas, segundo Orair, os profissionais liberais podem desfrutar de regimes simplificados, mas não estão isentos de pagar imposto sobre a renda que recebem das empresas. Alguns países, como a Noruega, oferecem uma isenção parcial, proporcional ao quinhão de capital de cada sócio na empresa. Para uma companhia que tem um valor de R$ 10 milhões, por exemplo, essa isenção pode chegar a R$ 400 mil anuais. Mas para empresas de profissionais liberais, cujo capital é simbólico, a isenção é insignificante.

"Não há nenhum sentido econômico isentar de imposto os lucros recebidos por sócios de pequenas empresas, ainda mais quando esses lucros não traduzem o retorno de investimentos em capital fixo, mas simplesmente uma renda por serviços realizados", afirma Orair.

Segundo ele, as micro e pequenas empresas que se utilizam das vantagens dos regimes simplificados de impostos no Brasil acumulam um lucro de aproximadamente R$ 470 bilhões anuais, ou 40% do lucro das companhias brasileiras, mas respondem por apenas 24% da receita do IR. Se aprovado o substitutivo com redução do IRPJ e com a isenção de dividendos para os sócios dessas empresas, essa distorção será agravada, diz Orair.

As simulações foram feitas com base em declarações de IRPJ de 2013, última vez em que a Receita abriu os dados do IRPJ.

Do lucro de R$ 360 bilhões que essas empresas obtiveram em 2013, R$ 120 bilhões não foram atingidos pela cobrança do IRPJ e da CSLL, enquanto entre as maiores companhias do lucro real essa taxa de evasão (ou seja, a parcela que não é tributada) é de apenas 2% – ou 16% considerando o Juros sobre Capital Próprio (JCP), que são despesas com a remuneração aos sócios abatidas do cálculo do imposto empresarial.

Sabino, porém, defendeu a isenção e as mudanças no projeto para, segundo ele, beneficiar 1,1 milhão de empresas, sendo 940,5 mil optantes do lucro presumido. "Elas terão redução de 29,4% de tributos e seus sócios terão isenção de lucros e dividendos recebidos", afirmou ele sobre as que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.

 

Sem taxa

R$ 4,8 mi

é o limite de faturamento anual que deixaria isentas empresas enquadradas no Simples ou no regime de lucro presumido, segundo parecer do relator da reforma do IR, Celso Sabino (PSDB-PA)

 

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Acordo com Estados pode afetar empresas

 

Acordo com os Estados e os municípios para a votação do projeto do novo Imposto de Renda deve propor uma queda ainda menor da alíquota do imposto das empresas. A proposta na mesa de negociação com o relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), prevê agora queda da alíquota de 25% para 17,5%, segundo apurou o Estadão.

A alíquota básica do IR da Pessoa Jurídica (IRPJ) cairia pela metade, de 15% para 7,5%. Seria mantida a alíquota adicional de 10%, cobrada sobre a parcela do lucro que exceder R$ 20 mil do mês. Na versão apresentada na quinta-feira passada, a alíquota passaria de 25% para 16,5%.

Uma reunião estava marcada para a noite de ontem e outra para a manhã de hoje com líderes dos partidos. Na semana passada, uma articulação bem-sucedida dos Estados impediu que o processo de votação continuasse. A contragosto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), adiou a votação para hoje.

Um ritmo menos forte da queda da alíquota do IRPJ é uma forma de compensar a isenção total de que Sabino não abre mão para as empresas do Simples e do lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 milhões. O relator também avisou que vai manter a queda de 1,5 ponto porcentual na Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A CSLL tem três alíquotas: 9%, 15% e 20%, que serão reduzidas em 1,5 ponto porcentual.

Os Estados e municípios queriam que a queda da CSLL fosse maior porque a arrecadação desse tributo recolhido pelo governo federal não é compartilhada com os governos regionais, diferentemente do IR, cuja receita é dividida com eles.