O Estado de São Paulo, n. 46691, 18/08/2021. Economia p.B4

 

Apoio de governos regionais pode custar R$ 18 bilhões

 

Adriana Fernandes

Camila Turtelli

Idiana Tomazelli 

Estados e municípios querem mais R$ 18 bilhões para apoiar a aprovação da reforma do Imposto de Renda (IR). Depois da terceira tentativa do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), a votação do projeto no plenário foi adiada por uma semana, mas deflagrou uma guerra de bastidores por novas concessões.

Em troca do apoio dos prefeitos, Lira e o relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), acertaram com a Confederação Nacional de Municípios (CNM) a aprovação de um conjunto de propostas para garantir uma transferência adicional de R$ 6,5 bilhões por ano às administrações municipais, com o aumento de 1,37% do repasse da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e mudança na regra do piso salarial dos professores. O acordo teve apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

Isolados nas negociações, os Estados, que até então buscavam um acordo conjunto com mudanças no desenho para evitar uma perda de R$ 11,7 bilhões (R$ 6,4 bilhões para os governos estaduais e R$ 5,4 bilhões para os municípios), partiram para o contra-ataque. Começaram a brigar nos bastidores para aumentar em três pontos porcentuais a parcela que recebem do governo federal por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) – mudança que pode garantir R$ 11,3 bilhões a mais para os governadores com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51, que já tramita no Senado.

Os Estados querem garantir que, no caso de Sabino não mudar o texto para reverter a perda de arrecadação, essa PEC de aumento do repasse para o FPE seja aprovada no Senado para depois ir para a Câmara. Enquanto isso, os senadores vão segurar a votação do projeto do IR na espera da votação da PEC na Câmara.

 

Disputa. O impasse em torno da votação começou logo cedo, depois que o governo e o relator não aceitaram zerar os prejuízos dos Estados e municípios com uma queda menor da alíquota-base do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), de 15% para 7,5%.

Antes do adiamento da votação, os Estados e as prefeituras de capitais divulgaram cartas pedindo aos parlamentares para rejeitarem o projeto. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista, deputado Sérgio Souza (MDBPR), também se posicionou contra a votação.

Lira bem que tentou votar o projeto colocando em pauta primeiro uma manobra para mudar o piso do magistério, uma das exigências dos municípios para aprovar o projeto. Não deu certo. A manobra foi rejeitada com intensa articulação da oposição. Em seguida, a proposta para retirar o projeto do IR da pauta foi aprovada por 399 a 99. Lira tinha dito quando chegou à Câmara ontem que a reforma seria votada mesmo sem acordo.

Em defesa da votação, Lira disse que é impossível se chegar a um consenso sobre o tema e que queria votar o texto principal da reforma ontem e deixar os destaques – pedidos de alteração ao texto – para depois. "Não há interesse em causar prejuízos para Estados e municípios", afirmou Lira. "Consenso sobre esse tema nesse plenário é impossível. Precisamos separar o que é política do que é justo para o Brasil", disse.

 

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Arranjo explodirá as contas públicas

 

ANÁLISE: Adriana Fernandes

 

É vale-tudo para a aprovação do projeto que altera o Imposto de Renda na Câmara. Na ânsia de ter uma reforma para chamar de sua, o presidente da Casa, Arthur Lira, avalizou um acordão com a Confederação Nacional de Municípios (CMN) para confrontar a resistência dos Estados e conseguir aprovar o projeto.

Repete-se na votação da reforma do IR o que ocorreu com o projeto de privatização da Eletrobras, quando “jabutis” em série foram incluídos no texto, que acabou sendo aprovado pelo Senado também numa versão ainda pior. Muitas benesses para aprovar o projeto do IR que numa frase pode ser resumido desta forma: risco fiscal enorme para União, Estados e municípios e ampliação de incentivos, quando o objetivo inicial era o de combatê-los.

O acordo com a CNM isola os Estados nas negociações. Até então, municípios e Estados estavam juntos numa articulação política para mostrar as perdas que teriam com as mudanças no projeto do IR, tributo recolhido pelo governo federal, mas compartilhado com os governos regionais. A mudança de lado dos prefeitos, vista como traição pelos Estados que tentavam novas mudanças no parecer de Sabino para diminuir o impacto negativo nos cofres públicos, está sendo garantida pela promessa de votação de PEC que garante um adicional de 1% no repasse da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

A PEC já foi aprovada no Senado e, na última sessão do ano passado, transformou-se em instrumento de manobra para medir forças nas eleições para a presidência da Casa. A lista do acordo, que não é pública, traz outras medidas que dão alívio para os cofres dos prefeitos.

O sistema tributário brasileiro tem, sim, problemas estruturais na tributação da renda. Mas os ajustes propostos vão na direção contrária e pioram o sistema. Além disso, o corte de benefícios tem efeito temporário e não traz segurança para as contas públicas. Ainda mais com o presidente Bolsonaro, que já anunciou que vai usar o corte das isenções para dar subsídios ao diesel. É claro, de olho na eleição.

A equipe econômica assiste ao aumento do risco para as contas públicas em silêncio, diante do aval nos bastidores do ministro Paulo Guedes. Mas, nos gabinetes do Ministério da Economia, o clima é de indignação entre aqueles que sabem muito bem que o projeto do IR aumenta as distorções.

 

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Para 'ala fiscalista', reforma 'já não se paga'


Avaliação de parte da equipe econômica é de que negociações para aprovar IR vão contra objetivo de simplificação

BRASÍLIA

 

As concessões sinalizadas pelo governo para destravar a votação do projeto do Imposto de Renda estão saindo caro na avaliação de integrantes da ala mais fiscalista do Ministério da Economia. Nas palavras de um integrante da equipe, "a reforma já não se paga há muito tempo". Outra fonte chega a celebrar a "disputa" por benesses porque, em meio à briga, nada é votado e tudo fica como está hoje, sem maiores prejuízos para as contas da União.

Esse é o clima nos bastidores da pasta após uma série de acordos para tentar atenuar a oposição de empresas e, mais recentemente, angariar apoio de municípios ao projeto.

O andar das negociações expõe mais uma vez a existência de dois grupos dentro do Ministério da Economia: um formado por técnicos fiéis às regras e à estabilidade fiscal e outro disposto a fazer concessões em prol da negociação política.

Essa divisão já havia sido evidenciada nas articulações para a votação do Orçamento de 2021, quando a equipe do ministro Paulo Guedes emitiu sinais de que era possível acomodar até R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares com cortes em outras despesas, inclusive obrigatórias. A negociação degringolou para a maquiagem de gastos e emendas de congressistas turbinadas a R$ 31,3 bilhões, posteriormente reduzidas com um veto parcial do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo apurou o Estadão/broadcast, as negociações com o Congresso têm sido conduzidas pelo gabinete de Guedes e seus auxiliares mais próximos. As demais áreas, por sua vez, fazem a conta da fatura – e acham caro.

De acordo com uma fonte, os acertos com os municípios são fiscalmente danosos à União, potencializados por eventual investida semelhante dos Estados.

Outro técnico afirma que ceder nos fundos de participação de Estados e municípios é "péssimo". Por outro lado, esse interlocutor afirma que o ingresso dos governadores na disputa por recursos tem um lado "positivo", pois quanto mais gente brigando, "mais difícil aprovar".

 

Promessas. O projeto do IR foi enviado ao Congresso como promessa de simplificação dos tributos, mas também em cumprimento a uma promessa de campanha de Bolsonaro: ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física. Se aprovado, o "alívio" no bolso dos contribuintes entra em vigor em 2022, ano eleitoral. Para compensar a perda de receitas, o texto também incluiu a tributação de dividendos distribuídos à pessoa física, medida que tem sido combatida por empresários e profissionais como advogados, médicos e outros que atuam como pessoa jurídica. A resistência já surtiu efeito e levou a flexibilizações no texto que podem deixar R$ 200 bilhões fora da mira da tributação.

Nos bastidores, o rumo das negociações do projeto do IR está sendo descrito como "várzea". Há quem compare com o observado no projeto de privatização da Eletrobras, aprovado repleto de "jabutis" (matérias estranhas ao texto), e na PEC emergencial, quando o governo precisou arcar com uma fatura de R$ 16,5 bilhões em emendas (originando o impasse do Orçamento de 2021) em troca da proposta que alterou regras fiscais.

Nessas votações, o que ficou evidente foi o alto preço que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem precisado pagar para fazer avançar sua agenda no Congresso. / I.T., A.F. e C.T.

 

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Senado tende a derrubar ou mudar proposta.

 

Daniel Weterman

 

O Senado se divide entre rejeitar o projeto do Imposto de Renda ou incluir a mudança na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de reforma tributária mais ampla em tramitação na Casa. Conforme o Estadão/broadcast, as duas possibilidades estão no radar.

Na tentativa de diminuir as resistências dos prefeitos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), deu aval para um acordo que aumenta os repasses para os municípios. Os integrantes do Senado, porém, são mais ligados aos governadores e às capitais.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), alertou para a falta de convergência dentro do Congresso. "Existem diferenças de entendimento em relação à reforma tributária ainda, há obstáculos naturais que podem ser superados, mas que existem, que é o fato de ser uma reforma pré-eleitoral, o que dificulta", disse Pacheco, ressalvando acreditar na possibilidade de uma convergência.

Crítico da manobra do governo, o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Otto Alencar (PSD-AM), afirmou: "É brincadeira. É um remendo em cima de outro remendo para agradar aos municípios. O Palácio do Planalto é uma ilha isolada dos problemas do Brasil".  / COLABOROU EDUARDO GAYER