O Estado de São Paulo, n. 46692, 19/08/2021. Política p.A4

 

Reunião de Fux e Pacheco propõe volta de diálogo

 

Daniel Weterman

Weslley Galzo

 

Em um movimento articulado para tentar conter a crise política, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, lançaram ontem um apelo pela retomada do diálogo entre os poderes. Os dois estiveram com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e pediram uma nova chance para apaziguar as relações. Recentemente, Fux cancelou um encontro previsto entre os chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário depois que o presidente Jair Bolsonaro atacou ministros do STF e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, também integrante da Corte.

Mesmo após o rompimento, o presidente não recuou e tem dito que pedirá o impeachment de Barroso e do ministro Alexandre de Moraes. Mas Pacheco – a quem cabe decidir sobre abertura de processo de impedimento de integrantes da Corte – já indicou que não pretende dar andamento a eventual pedido.

Na reunião com Fux, ele solicitou a retomada do diálogo entre os poderes. Presidente do Senado e do Congresso, Pacheco afirmou que está disposto a conversar com o chefe do Planalto, com quem disse ter uma “relação muito cordial”. Destacou, no entanto, que a prioridade é um encontro entre os representantes das três instituições: Executivo, Legislativo e Judiciário. “Todos devem respeito ao Poder Executivo e exigem reciprocidade”, declarou o senador.

No início da sessão de ontem do STF, Fux disse que a decisão será reconsiderada. Ao cancelar o encontro com Bolsonaro, o magistrado afirmou que os ataques a Moraes e a Barroso atingem os demais ministros da Corte. “Apesar do cancelamento da reunião, o diálogo entre os poderes nunca foi interrompido. Como presidente do Supremo Tribunal Federal, eu sigo dialogando com os representantes de todos os poderes. Em relação a uma nova reunião, a questão será reavaliada”, disse Fux.

Desde o rompimento das conversas com o Planalto, ministros do Supremo e do TSE determinaram a abertura de três inquéritos contra o presidente – um deles administrativo na Justiça Eleitoral – para apurar, dentre outras coisas, o uso de notícias falsas em ataques ao Judiciário.

As respostas institucionais, no entanto, estimularam novas ameaças aos integrantes dos tribunais superiores.

Diante de um público evangélico, Bolsonaro manteve o tom hostil ao STF. Disse que da sua caneta “tudo pode acontecer”. Acompanhado do pastor Silas Malafaia, ele discursou no Centenário da Convenção Interestadual da Assembleia de Deus, em Ananindeua (PA). “Temos tido um bom retorno do Parlamento. Sabíamos que no outro poder ao lado, o Supremo Tribunal Federal, uma ou outra pessoa iria nos atrapalhar, mas acreditamos que este Supremo, assim como o Parlamento, assim como o Executivo, aos poucos vai mudando.”

Bolsonaro celebrou ainda a escolha do ex-advogado-geral da União André Mendonça para a vaga de Marco Aurélio Mello. Segundo o presidente, Mendonça prometeu iniciar as sessões da Corte com uma oração. “Toda primeira sessão da semana no STF, ele pedirá a palavra e iniciará os trabalhos após oração”, disse Bolsonaro. O ingresso de Mendonça no STF – que atende à promessa de indicar um nome “terrivelmente evangélico” –, no entanto, depende de aprovação em sabatina no Senado, adiada por Pacheco, que pretendia colocar a matéria em pauta neste mês, mas recuou após insistência de Bolsonaro em acirrar os ânimos entre as instituições.

 

‘Aviltada’. Mesmo com o gesto de conciliação no encontro com Fux, Pacheco foi portador de recados ao presidente: falou em evitar extremismos e disse que a democracia não pode ser “aviltada e questionada como vem sendo”. “Concordamos que o radicalismo e o extremismo são muito ruins para o Brasil e são capazes de derrotar a democracia, portanto, precisamos evitar o radicalismo, evitar o extremismo, e darmos lugar ao diálogo que busque pacificar, que busque unir, não necessariamente concordar sempre, mas temos respeito à divergência.”

Horas após o encontro com o presidente do Senado, Fux recebeu Ciro Nogueira, numa nova tentativa de amenizar a crise. Empossado recentemente na Casa Civil em um acordo do governo com o Centrão, Nogueira tem atuado como interlocutor de Bolsonaro nos outros poderes. Nogueira usou o Twitter para publicar uma foto com o ministro – falou em consenso entre as instituições e “harmonia entre os poderes, sintetizados no símbolo que é a nossa Constituição”.

 

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Senadores pedem ao STF que Aras seja investigado

 

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolaram ontem uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, por suposto crime de prevaricação. Para eles, Aras é omisso diante do que chamam de "crimes e arbitrariedades" do presidente Jair Bolsonaro.

"O comportamento desidioso do procurador-geral da República fica evidente não só pelas suas omissões, mas também pelas suas ações que contribuíram para o enfraquecimento do regime democrático brasileiro, do sistema eleitoral pátrio e para o agravamento dos impactos da covid-19 no Brasil", diz a peça.

Os parlamentares pedem ao Supremo que encaminhe a notícia-crime ao Conselho Superior do Ministério Público Federal. Os dois sustentam que Aras "permaneceu inerte" diante das acusações feitas, sem provas, por Bolsonaro sobre a segurança da urna eletrônica. / EDUARDO GAYER

 

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A credibilidade e o jogo do presidente do Senado.

 

ANÁLISE: Carlos Melo

 

Ainda que o senso comum não acredite e os políticos façam o impossível para desacreditarem-se, a confiança é a base da relação política. Nos bastidores, honrar a palavra e cumprir acordos é importante ativo: perdem-se batalhas, mas não a plausibilidade e o respeito. Haverá sempre amanhã. Por outro lado, por mais tolerantes que sejam os atores e excepcionais as circunstâncias, a impostura e a fanfarrice, repetidas e continuadas, cansam e corroem o capital político. A credibilidade é algo que se perde irremediavelmente.

Jair Bolsonaro esqueceu que “o perdão também cansa de perdoar”. Parte do sistema político e parcelas relevantes das instituições cansaram do ziguezaguear de seu humor e da inconsistência de suas promessas. A condescendência, quando abusada, morre abandonada. Como apontam as pesquisas, também a sociedade parece exausta de conflitos e ameaças. Bolsonaro tem abusado. E isso só tem lhe piorado a situação.

Foram inúmeras as tentativas de conciliação, pactos, desmentidos. Dezenas de reuniões e convescotes para celebrar acordos que não se efetivaram. A indisposição dos ministros do STF foi lenta, gradual, mas aparentemente sem volta. Até Dias Toffoli e Luiz Fux indicam terem chegado ao limite. À exceção de Kássio Marques, para os demais, as malas de Bolsonaro estão no corredor.

“Amortecedores da República”, Ciro Nogueira e o Centrão são tolerantes por conveniência, não por amor: drenam recursos do presidente isolado alimentando-lhe as fantasias de poder, mas o diálogo que oferecem à Praça dos Três Poderes é antes a construção de uma ponte para que possam atravessar, mais adiante.

Já Rodrigo Pacheco joga de líbero: atrás da zaga, pega “a sobra”, dá “chutão”. Mas, a depender das circunstâncias, avança como um Franz Beckenbauer. Conciliador assertivo, visa a confiança a partir dele próprio. Habilita-se como opção ao fraco time do capitão e aos temores em relação a Lula. Pacheco tem nome de torcedor, mas quer mostrar que joga bola. Dizem que Gilberto Kassab o tem treinado.