O Estado de São Paulo, n. 46692, 19/08/2021. Política p.A10

 

TSE estuda regra para cortar receita de canais políticos

 

Ministros preparam resolução que poderá proibir a 'monetização' de veículos e páginas que divulgam informações falsas na internet

 

Vinícius Valfré

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda publicar uma resolução que obrigará as plataformas de redes sociais a proibir a geração de receita por páginas e canais com conteúdo político durante as eleições, em especial os dedicados a notícias falsas e com caráter extremista. Embora não seja direcionada a reduzir o alcance de conteúdos específicos, a iniciativa tem potencial de impactar a renda de perfis bolsonaristas que conseguem arrecadar altas quantias em dólar com desinformação, ameaças e ataques a instituições.

Uma parte do TSE enxerga esses grupos como "mercenários" e avalia que a providência é necessária com o argumento de que política e ideologia não podem ser comercializadas. Com a fonte de renda sendo "seca", os debates sobre os mesmos temas poderão continuar a ocorrer livremente, mas sem que sejam contaminados pelo interesse financeiro.

A reação do TSE surge no âmbito do inquérito administrativo aberto a partir da "live" feita pelo presidente Jair Bolsonaro, em 29 de julho. Após anunciar que iria apresentar provas de que houve fraudes nas eleições, Bolsonaro fez, na transmissão, uma série de afirmações falsas, usando dados inverídicos, sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Em uma apuração paralela, a dos chamados atos antidemocráticos, a Procuradoria-geral da República apontou arrecadação de US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 5,8 milhões, no câmbio atual) em 12 canais do Youtube que apoiam Bolsonaro.

O TSE planeja publicar as novas regras nos próximos meses. O tema deve ser debatido hoje entre representantes da Corte e das principais plataformas de redes sociais, como Facebook, Youtube, Twitter, Instagram e Twitch.

A resolução que vem sendo discutida poderá ampliar os efeitos da decisão do corregedor-geral da Corte, Luís Felipe Salomão, que determinou a suspensão da "monetização" – o pagamento que as plataformas fazem pelo conteúdo publicado e por propagandas que exibem – de canais e perfis bolsonaristas conhecidos pela divulgação de desinformação.

"Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm. Como já observado, isso ocorre pelo processo de monetização empreendido por esses usuários, a partir do número de visualizações das páginas, do recebimento de doações, do pagamento de publicidade, da inscrição de apoiadores e da realização de lives", frisou o corregedor.

A decisão, de segunda-feira passada, não é definitiva. No despacho, Salomão determinou que os recursos que vierem a ser obtidos pelos investigados fiquem depositados em uma conta vinculada ao tribunal. Não vetou em definitivo a possibilidade de arrecadação.

Para uma ala da Corte Eleitoral, a oportunidade de gerar lucro com a disseminação de conteúdos falsos incentiva a polarização política, a corrosão das instituições e ameaças antidemocráticas. Por outro lado, faz com que o debate político não acontece dentro de parâmetros razoáveis. Além disso, há o entendimento entre ministros de que a receita desses canais pode ser classificada como financiamento privado de campanha eleitoral, o que é proibido. Também existem preocupações com relação a doações não declaradas feitas aos canais.

Entre estudiosos das fake news e do comportamento político na internet, a estratégia do TSE é bem vista. O principal ponto positivo é o fato de ela, com base no que se sabe até aqui, não avançar sobre o que pode ou não pode ser dito nas redes, mas buscar impedir que a desinformação seja um mercado. "A forma mais eficiente de combater a desinformação profissional é seguir o dinheiro. Em vez de dizer que não pode dizer essa palavra ou que tem que proibir esse assunto, vai no dinheiro, disse o diretor executivo do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), Farbo Steibel. "Quando olhamos as pesquisas, vemos que a desinformação é um problema profissional, não é amador. Suspender o dinheiro é uma iniciativa bem-vinda. Não proíbe de falar, proíbe de lucrar com isso."

Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP e estudioso da polarização e da disseminação de notícias falsas nas redes sociais, considera que a monetização das redes sociais é a principal fonte de financiamento da indústria da desinformação, mais do que repasses de políticos. Por isso, o corte dessa receita há de trazer bons resultados. "Há muita especulação sobre o financiamento de empresários e de gabinetes de políticos, mas, após muita investigação, o que se descobriu não é muito relevante. Tudo sugere que o dinheiro que alimenta essa indústria vem da monetização – da remuneração dos canais de Youtube, mas também da publicidade dos sites que vem do programa Adsense da Google", comentou.

Pesquisadora do DFRLAB (Digital Forensics Research Lab), Luiza Bandeira considera a iniciativa positiva, mas alerta para cuidados a serem tomados para que produtores de conteúdos importantes e cumpridores das regras não sejam prejudicados.

"O TSE anda numa direção interessante ao atacar o financiamento, mas tem os problemas. Como vão definir quem serão os atores que serão desmonetizados no período? Vai ser qualquer canal político? Como vamos garantir que um canal político bom, que promova informação de qualidade, não seja prejudicado por essa política?", questionou a pesquisadora.

 

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MP do DF denuncia blogueiro por ameaça

 

A Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou à Justiça o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, criador do canal Terça Livre, por ameaças a Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e incitação ao crime. O documento reúne publicações que, segundo a denúncia, demonstram "comportamento habitual e intencional" de ameaças contra ministros do STF.

"As ameaças não estão inseridas em um contexto isolado, mas sim denotam ser parte de uma campanha intencional e extensiva do denunciado para disseminar ódio contra os magistrados da Suprema Corte", diz o texto. Allan também é investigado nos inquéritos das fake news e foi alvo da investigação sobre atos antidemocráticos