O Estado de S. Paulo, n. 46705, 01/09/2021. Política, p. A8

Minas vira líder de recursos do orçamento secreto

Breno Pires


Segundo maior colégio eleitoral do País, Minas Gerais saltou de quinto lugar, em 2020, para o principal destino de emendas do orçamento secreto neste ano. A virada ocorreu após a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado, em fevereiro. A partir daí, prefeituras e o governo do Estado lideraram tanto indicações de repasses feitos pelo relatorgeral do Orçamento quanto pagamentos executados pelo governo federal.

No comando do Congresso, Pacheco trabalha por uma possível candidatura à sucessão do presidente Jair Bolsonaro, em 2022. Está prestes a mudar de partido, do DEM para o PSD, e procura ocupar o vácuo na política de Minas. O orçamento secreto, revelado pelo Estadão em maio, é composto pelas chamadas emendas de relator. São verbas extras distribuídas a aliados, de acordo com critérios políticos, sem a transparência adotada na transferência de outros recursos do orçamento federal.

Nessa modalidade, governo e Congresso “ocultam” os nomes dos parlamentares contemplados com cotas que excedem as tradicionais emendas parlamentares. Para obter os dados, o Estadão recorreu à Lei de Acesso à Informação (LAI) e, mesmo assim, não recebeu todas as informações solicitadas.

Pacheco foi um dos 20 senadores que alegaram motivos diversos para não mostrar à reportagem, em abril, as solicitações feitas ao governo para repasses de verbas referentes a emendas de relator-geral, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Regional. Até hoje o recurso apresentado pela reportagem ao Senado, por meio da LAI, não foi respondido.

Conforme planilhas elaboradas pelo relator do Orçamento – obtidas pelo Estadão por meio da LAI –, Minas deve receber R$ 662,1 milhões, montante superior à quantia indicada para São Paulo (R$ 513,6 milhões) e Bahia (R$ 363,1 milhões).

As verbas apontadas pelo relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), até junho estão reservadas nos caixas dos ministérios do Desenvolvimento Regional, da Agricultura, da Saúde e da Cidadania. As planilhas enviadas ao governo, no entanto, omitem os nomes dos parlamentares por trás das indicações. Revelam apenas Estados e municípios beneficiados. O Estadão pediu informações sobre os solicitantes e o destino dos outros R$ 11 bilhões, mas não obteve resposta de Bittar.

Mudança. No ano passado, antes da eleição da atual cúpula do Senado, Minas tinha ocupado apenas o quinto lugar em recursos totais empenhados, de acordo com tabela do Tribunal de Contas da União (TCU). A mudança no patamar de influência nas indicações de emendas é visível no gabinete da presidência da Casa. Nas últimas semanas, a reportagem registrou um fluxo constante de políticos mineiros no local, em busca de verbas para obras, compra de máquinas pesadas, ações sociais e investimentos em saúde.

Um parlamentar que conversou com o Estadão, sob a condição de anonimato, disse que, durante evento há cerca de dois meses, Pacheco perguntou se ele estava precisando de ajuda para enviar recursos a municípios. A oferta foi feita para deputados de Minas e de outros Estados, segundo relatos.

Além das indicações de Bittar, que ainda precisam ser efetivadas pelo governo federal, Minas já desponta com mais pagamentos de emendas de relatorgeral, efetuados neste ano, incluindo restos a pagar de 2020. Com um volume total de R$ 552 milhões – ou 10% do total pago pelo Executivo com o orçamento secreto entre janeiro e agosto. O Estado aparece à frente da Bahia (R$ 529 milhões) e de São Paulo (R$ 511 milhões). No ano passado, as prefeituras e o governo mineiro ocuparam o terceiro lugar em recursos pagos. Os dados foram obtidos no site Siga Brasil, do Senado.

‘Demandas’. À reportagem, Pacheco disse que o volume de verba destinada a Minas demonstra o empenho da bancada federal. “Além de trabalhar no ordenamento jurídico do País e fiscalizar com independência o uso do dinheiro público, é papel do parlamentar viabilizar recursos para municípios e Estados, com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população”, afirmou o presidente do Senado. “As demandas são avaliadas, caso a caso, pelo relator e posteriormente pelo Executivo, responsável pela execução orçamentária.”

Minas possui 853 municípios – o Estado é estratégico para consolidar uma eventual candidatura de Pacheco ao Planalto. O presidente do Senado tenta construir o domínio local e se aproximou do PSD, que tem o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, pré-candidato a governador, e outros dois senadores de Minas, Antonio Anastasia e Carlos Viana. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse acreditar que o “perfil mais moderado” de Pacheco pode romper a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mas o discurso de Pacheco de defensor da harmonia entre os poderes é questionado por congressistas. Em julho, por exemplo, o presidente do Senado provocou mal-estar entre os senadores por não sair em defesa imediata do presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSDAM), atacado pela cúpula das Forças Armadas. Apenas depois de pressão, Pacheco defendeu o colega.

A falta de transparência e o uso político do Orçamento têm sido questionados por partidos, que apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) ações para que as emendas de relator-geral sejam consideradas inconstitucionais e seus pagamentos, suspensos.

Verba

"É papel do parlamentar viabilizar recursos para municípios e Estados, com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população. (...) As demandas são avaliadas, caso a caso, pelo relator e posteriormente pelo Executivo, responsável pela execução orçamentária."

Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Presidente do Senado