O Estado de S. Paulo, n. 46705, 01/09/2021. Economia & Negócios, p. B1

Desconto por economia sairá do bolso dos consumidores



O bônus que o governo criou para quem economizar energia nos próximos meses será pago pelos próprios consumidores, por meio de aumentos diluídos na conta de luz. Engajar cada cliente de forma individual para poupar eletricidade e contribuir com o enfrentamento da crise hídrica de forma conjunta passará também por uma estratégia de convencimento para que as pessoas não se sintam enganadas, dado que o desconto será proporcionalmente pequeno no valor final da conta.

O desconto será de R$ 0,50 para cada quilowatt-hora (kwh) do volume de energia economizado dentro da meta de 10% a 20%. Quem economizar menos do que 10% não receberá bônus, e quem economizar mais do que 20% não receberá prêmio adicional. No total, o consumidor pode receber um desconto de até R$ 50 na conta de luz pela redução de 100 kwh no consumo.

A comparação será feita com base no somatório do consumo ao longo de quatro meses – ou seja, o acumulado entre setembro e dezembro de 2021, na comparação com a soma das mesmas quatro faturas de 2020. Mas o bônus só será pago, de uma só vez, em janeiro de 2022.

Embora o governo tenha cogitado uma gratificação de R$ 1 a cada 1 kwh poupado, técnicos consideraram o valor inviável e decidiram por R$ 0,50 a cada 1 kwh. O programa tem duração prevista até dezembro, mas pode ser prorrogado.

Em média, uma família brasileira consome 163 quilowattshora mensais, o equivalente a R$ 139,26, com impostos. Se conseguir economizar 20%, por exemplo, essa mesma família pagará uma conta 36% menor, com o bônus de R$ 0,50: além dos 130,4 kwh, ela receberá um bônus sobre os 32,6 kwh economizados e pagará R$ 88,43. Se esse prêmio fosse de R$ 1, cenário que foi descartado, a conta ficaria em R$ 65,45, ou 47% menor.

Para ter uma comparação, a tarifa média paga pelos consumidores residenciais hoje está em R$ 607,60 por MWH – ou seja, R$ 0,60 a cada 1 kwh, e o bônus, portanto, não pode ser maior do que esse valor para que o custo da energia seja efetivamente pago. O problema é que a geração de energia adicional é muito mais cara do que essa média. A termoelétrica William Arjona, em Mato Grosso do Sul, tem custo de R$ 2 mil por MWH, ou R$ 2 a cada 1 kwh.

‘Injustiça’. Para o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, o consumidor pode se sentir injustiçado com esse sistema. Em 2001, a energia que foi economizada pelo consumidor pôde ser vendida, por meio de comercializadoras, ou liquidada no mercado de curto prazo, a preços elevados, explicou.

“Em geral, o racionamento de energia por prêmio costuma ser eficaz. O problema é enganar o consumidor e fazer com que ele pague para si mesmo, e devolver só uma parte. Quem deveria pagar é o gerador que está sem energia, caso das hidrelétricas, ou seja, quem está vendido no mercado”, afirmou Santana. Para ele, porém, para que o programa efetivamente seja bem-sucedido, ele já deveria ter sido anunciado, com regras amplamente divulgadas e explicadas para a população.

O programa de redução voluntária para os consumidores residenciais se junta a outras medidas. Para as indústrias, o governo lançou um programa para incentivar o deslocamento voluntário da produção para fora do horário de pico. O objetivo é evitar uma sobrecarga do sistema, o que poderia levar a apagões pontuais.

Avaliação

“Em geral, o racionamento de energia por prêmio costuma ser eficaz. O problema é enganar o consumidor e fazer com que ele pague para si mesmo, e devolver só uma parte. Quem deveria pagar é o gerador que está sem energia, caso das hidrelétricas.”

Edvaldo Santana

Ex-Diretor da ANEEL