O Globo, n. 32719, 07/03/2023. Política, p. 8

PF e Receita investigam joias para Michelle e Bolsonaro

Geralda Doca
Alice Cravo


A Polícia Federal abriu ontem inquérito para investigar a suposta tentativa de integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de entrar ilegalmente com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões no país, em outubro de 2021. A abertura da investigação, que ficará sob responsabilidade da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários de São Paulo, atende a solicitação do ministro da Justiça, Flávio Dino.

Em outra frente, o Ministério Público Federal (MPF) pediu em reunião com representantes da Receita Federal mais informações a respeito da apreensão das joias, que seriam um presente da família real saudita para Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle. O Fisco, por sua vez, abriu uma apuração interna sobre a entrada de um outro pacote de joias na mesma leva, este com relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, supostamente destinados ao então presidente.

“É necessário agora que a Receita forneça todas as informações de que dispõe para que o MPF possa analisar e decidir o encaminhamento do caso. Para evitar prejuízos à apuração, o procedimento segue sob sigilo”, diz nota do Ministério Público.

De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, um conjunto que incluía colar, brincos, anel e relógio de diamantes foi encontrado na mochila de um servidor do Ministério de Minas e Energia (MME), em outubro de 2021, no desembarque no Aeroporto de Guarulhos após viagem ao Oriente Médio. As joias foram apreendidas porque não haviam sido declaradas ao Fisco, o que é obrigatório para bens com valor superior a US$ 1.000.

Ofensivas do Governo

Houve ao menos oito tentativas do governo Bolsonaro de ficar com as joias sem pagar os impostos de importação e multa. As ofensivas envolveram funcionários do próprio MME, o Itamaraty, servidores da Presidência e a chefia da Receita. Um dos episódios envolveu o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro à época, e Julio Cesar Vieira Gomes, então chefe da Receita.

Em ofício de 28 de dezembro de 2022, Cid fez referência às joias e pediu a Vieira Gomes que os bens retidos fossem “incorporados” pela Presidência, segundo o blog da jornalista Andréia Sadi, no g1. O documento diz que um tenente da Marinha iria a Guarulhos retirá-los na alfândega.

O então chefe da Receita direcionou o pedido a José Roberto Mazarin, superintendente do órgão em São Paulo na ocasião. “Boa tarde, Mazarin. Solicito atender. Peço também encaminhar ao delegado ALF (alfândega) Guarulhos. Abraços”, escreveu. Ainda de acordo com o g1, seguiu-se um debate técnico sobre o procedimento a ser adotado, e servidores da Receita resistiram ao trâmite, considerado pouco usual.

Também em decorrência do caso, a Receita afirmou ontem que abrirá outra investigação sobre a existência de um segundo pacote de joias que teria sido trazido ilegalmente para o país pelo governo Bolsonaro e entregue à Presidência. No domingo, o jornal Folha de S.Paulo revelou que um recibo oficial mostra que um dos supostos presentes enviados pelo regime da Arábia Saudita foi entregue ao Planalto em novembro de 2022, mais de um ano após chegar ao país.

Os itens estavam na bagagem de um dos integrantes da comitiva brasileira que viajou àquele país e não foi retido pela Receita.

De acordo com o ex-ministro Bento Albuquerque, que estava na comitiva oficial, mais de um pacote foi entregue pelo governo saudita em ocasião da missão brasileira ao país em outubro de 2021. Ele nega irregularidades, diz que o governo tomou as medidas cabíveis e que os presentes foram “institucionais”.

Os itens da segunda leva foram entregues ao Planalto pelo assessor especial do MME Antônio Carlos Ramos de Barros Mello e, segundo ele, estavam sob a guarda da pasta. “Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica — GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, diz um trecho do recibo de entrega ao qual a Folha teve acesso.

Em nota, a Receita afirmou que “matérias jornalísticas mencionam a existência de um outro pacote de joias que teria ingressado no país, o que somente seria possível ser trazido por outro viajante, diferente daquele alvo da fiscalização aduaneira” e que o “fato pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos”.

Bolsonaro negou ter conhecimento das joias. Em entrevista à CNN, no sábado, ele afirmou não saber o valor dos itens, e que não existe qualquer ilegalidade por parte dele. Já Michelle questionou, na sexta-feira, em uma rede social, em tom de ironia: “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo?”