O Estado de São Paulo, n. 46697, 24/08/2021. Metrópole p.A14

 

Esforço individual marca combate ao fogo no Juquery

Gonçalo Junior

 

O segundo dia de combate ao incêndio no Parque Estadual do Juquery, na Grande São Paulo, exigiu a combinação de grandes ações, como dois helicópteros da Polícia Militar, e também o combate manual por terra. Cerca de 200 profissionais, entre brigadistas do Parque do Juquery, agentes da Defesa Civil, bombeiros e voluntários, carregaram reservatórios de 20 quilos com água nas costas por vários quilômetros para tentar apagar as chamas com o uso de esguichos. O fogo espalhou fuligem por vários bairros da Grande São Paulo e alguns municípios do ABC paulista desde a noite do domingo.

A ação é necessária porque os caminhões de água não conseguem chegar aos locais de difícil acesso. As mangueiras dos caminhões de água também não alcançam. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o incêndio ainda não está totalmente controlado. A prefeitura de Franco da Rocha estima que o fogo tenha consumido 60% do parque, de 2 mil hectares. Na avaliação da Fundação Florestal, responsável pela gestão local, o estrago já chega a 70%.

Ainda segundo a prefeitura, o fogo começou após a queda de um balão. Em 2017, cerca de 10% do parque foi consumido por um acidente semelhante.

Tempo seco e calor favorecem a propagação das chamas. O Estadão acompanhou a luta contra as chamas nesta segunda-feira, quando o parque tinha ao menos dois grandes focos de incêndio. Uma das estratégias foi o uso de dois helicópteros que despejaram água nos maiores focos. As características do parque, no entanto, exigiram grande esforço no combate manual às chamas.

 

Relevo acidentado. Com os reservatórios nas costas, os bombeiros que trabalham no local desde domingo afirmam que se trata de uma ocorrência complexa, “um trabalho de formiguinha”. Outra estratégia para esse combate individual às chamas foram as vassouras de bruxas, instrumentos feitos com borracha reciclada, em geral, e restos de madeira de incêndio, para abafar o fogo. “Temos pequenos focos que vão destruindo a vegetação. O caminhão não chega e a mangueira não entra”, afirma Adriano Udvari, coordenador do Serviço de Atendimento de Urgência da prefeitura de Caieiras, que montou uma força-tarefa com brigadistas de secretarias municipais para ajudar no combate às chamas.

Dezenas de voluntários ajudaram na tarefa. Um deles foi o vigilante Ulisses Sabino da Silva. Morador do Parque Vitória, em Franco da Rocha, ele viu as chamas no parque na noite de domingo da sua casa. Por isso, decidiu ajudar. “Esse parque é importante para mim. Com caminhadas e exercícios nestas trilhas, consegui melhorar de uma depressão grave em 2017”, diz o vigilante com um esguicho nas mãos. Vários voluntários se ofereceram para ajudar, mas nem todos possuem os equipamentos adequados e acabaram dispensados.

O cenário era desolador. O verde de uma das últimas áreas de preservação do cerrado em São Paulo virou cinza. Dos troncos de árvores queimados restavam apenas a copa das árvores. Ao acompanhar um grupo de brigadistas da Fundação Florestal, o Estadão se deparou com um eucalipto ainda em brasa, com o tronco incandescente. “Não adianta apagar. Está condenada”, disse um brigadista.

 

Fuligem. Fumaça que arde os olhos. Boca seca. A máscara que todo mundo usa para se proteger do risco de contaminação contra a covid-19 ganha outra serventia aqui: proteger da fumaça. Mais experientes, os brigadistas enrolam panos na cabeça para diminuir o calor. Outra árvore tombou na estrada, obrigando os brigadistas a seguir um atalho. O olhar para os morros que formam o parque traz um cenário difícil de acreditar.

Devastação. “Dá vontade de chorar diante dessa situação”, disse o ciclista Fabricio Carneiro, frequentador do parque e voluntário no combate às chamas. Criado em 1993 para conservar mata nativa e áreas de mananciais do Sistema Cantareira, o parque também abriga remanescentes de Mata Atlântica entre Caieiras e Franco da Rocha.

Segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo, o vento forte tem trazido a fuligem para a capital. Em algumas imagens publicadas nas redes sociais, é possível ver restos de folhas e gravetos. Moradores das regiões norte, sul, leste e central postaram relatos nas redes sociais. Há também relatos de Santo Andre, Bebedouro, Viradouro, Rio Preto, Campinas e Pitangueiras.

 

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Área queimada do Pantanal já supera a média histórica

 

De acordo com a UFRJ, até agosto os incêndios consumiram 261 mil hectares; Mato Grosso do Sul é mais afetado

José Maria Tomazela

Emilio Sant'anna

 

Os incêndios no Pantanal já consumiram 261 mil hectares de campos e matas, valor maior do que a média histórica para o período de janeiro até 21 de agosto: 248 mil hectares. Isso mesmo antes de chegar o mês em que é esperado o pico de queimadas, setembro. A constatação é do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No mesmo período do ano passado, que bateu todos os recordes de incêndios na região, foram perdidos 1.356 milhão de hectares. Cada hectare equivale a um campo de futebol.

A informação inicial era até de que os níveis de área queimada neste ano haviam ultrapassado os registrados em 2020. De acordo com o laboratório, o erro se deu em decorrência de falhas ocorridas no sistema de acesso ao repositório de imagens da Nasa. “Tais falhas interferiram na transmissão fidedigna e em tempo real dos dados do Alarmes (o sistema desenvolvido pela Lasa), levando o nosso sistema a ficar fora do ar momentaneamente e causando a leitura não atualizada dos dados.”

“Tivemos uma grande aceleração das queimadas no ano passado, no período de agosto a outubro. Este ano, estamos com esses números praticamente sem ter, ainda, entrado no período mais crítico, o que é bastante preocupante”, disse o secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.

Ele ressalvou que grande parte dos incêndios aconteceu no Território Indígena Kadiweu, no município de Porto Murtinho. “Só na reserva, houve a queima de mais de 92 mil hectares este ano. No ano passado, não chegou a 3 mil”, disse o secretário. O território indígena soma cerca de 500 mil hectares, ou seja, o fogo queimou quase 20% da área.

Conforme Verruck, que preside a Comissão Estadual de Comando e Controle dos Incêndios Florestais, o Estado vive a seca mais severa na história, com chuvas abaixo da média há quatro anos. “Temos um regime de chuvas extremamente baixo e toda a bacia do Paraná está com alto grau de risco. No Pantanal, o Rio Paraguai e outros rios estão extremamente baixos, as lagoas estão secas e a umidade do ar também é muito baixa”, explicou. Para complicar, as geadas queimaram a vegetação e as pastagens, deixando biomassa seca, com possibilidade de queima fácil.

Conforme o secretário, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência e Tecnologia, apontam que o número de focos de incêndio no Estado todo neste ano é menor do que no ano passado. Foram 1.674 até agora, ante 4.354 no mesmo período de 2020. “Estamos com aeronaves trabalhando de forma permanente no combate. Já temos 500 horas de voo contratadas com recursos próprios e vamos contratar mais 900 horas com verba do governo federal”, disse.

Em 2020, segundo o Instituto SOS Pantanal, os incêndios destruíram 4 milhões de hectares, equivalentes a 26% do bioma nos dois Estados – Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa área equivale a 26 vezes a cidade de São Paulo. As chamas causaram um desastre ambiental sem precedentes, com a morte de animais ameaçados, como a onça-pintada. Os rios pantaneiros foram contaminados pela deposição de cinzas e fuligem.