O Globo, n. 32721, 09/03/2023. Política, p. 9

Petistas veem ação combinada de Gleisi e Lula

Sérgio Roxo


Sem cargo no governo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tem cumprido um papel de porta-voz de posições mais radicais da legenda, o que tem motivado reclamações nos bastidores da Esplanada do Ministérios. Em ao menos dois episódios recentes, nas suspeitas envolvendo o ministro Juscelino Filho (Comunicações) e na discussão sobre a desoneração de combustíveis, Gleisi se contrapôs a ministros, gerando ruídos entre aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Diante da sua proximidade com o presidente, contudo, lideranças do PT não descartam que as manifestações de Gleisi sejam previamente combinadas para ajudar Lula a exercer um papel de mediador de conflitos. Ou seja, na avaliação desses petistas, quando critica a volta da cobrança de impostos sobre a gasolina — o que gerou fricções com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad —ou pede a saída de Juscelino, por exemplo, a dirigente partidária teria agido com a anuência de Lula.

Não por acaso, segundo a leitura desse grupo, ela foi contrariada nas duas ocasiões, reforçando a imagem que Lula tenta passar de que seu governo não é do PT, mas da frente ampla que o ajudou a se eleger. No caso envolvendo Juscelino, por exemplo, a presidente do partido havia afirmado, em entrevista ao portal Metrópoles, que o ministro deveria “pedir um afastamento para poder explicar, justificar, se for justificável o que ele fez”, em meio a suspeitas de uso indevido de diárias e voos oficiais em eventos particulares. Coube ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sair em defesa do aliado, batendo de frente com a colega de partido. Na segundafeira, Lula se reuniu com Juscelino e decidiu mantêlo no cargo, num gesto considerado um “voto de confiança” ao União Brasil.

O episódio se junta ao da volta da cobrança de impostos sobre os combustíveis na semana passada, em que Gleisi postou no Twitter que a retomada da cobrança dos tributos seria “descumprir compromisso de campanha”. A desoneração, determinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em meio à campanha eleitoral, já havia sido prorrogada no início do ano. Quatro dias depois da defesa da presidente do PT por uma nova prorrogação, Haddad, anunciou o fim da desoneração, apesar das alíquotas terem ficado menores do que as cobradas anteriormente.

Para auxiliares diretos de Lula, apesar de ter sofrido reveses nas duas ocasiões, Gleisi pode atrapalhar as relações do governo com aliados. O entendimento, porém, é que a sua defesa do afastamento de Juscelino, de uma “forma torta”, nas palavras de um assessor, acabou obrigando o União Brasil a assumir a indicação do ministro das Comunicações.

Depois da manifestação de Gleisi, as bancadas do partido na Câmara e no Senado divulgaram nota para defender o ministro.

Entre integrantes da executiva do PT, há uma avaliação de que Gleisi não deveria ter entrado no assunto.

— A presidente do PT tem direito de se manifestar, mas nossas visões sobre aliança com os partidos são totalmente opostas. Em alguns, como esse (a defesa do afastamento de Juscelino), ela extrapola e prejudica a articulação para formar a base do governo — afirma o deputado Washington Quaquá (RJ), um dos vice-presidentes do PT.

Aliados de Gleisi argumentam que Lula pediu a ela que permanecesse na presidência do PT, em vez de assumir um ministério, justamente para defender publicamente as posições do partido em relação aos temas que envolvem o governo. Na época em que anunciou que a aliada ficaria de fora do primeiro escalão, o petista disse que ela desempenharia um papel até “mais importante” do que o de um ministro. Como mostrou O GLOBO, apesar de não ocupar uma cadeira no Executivo, a comandante do partido participou do processo de escolha de titulares das pastas, atua na indicação a cargos de segundo escalão mesmo de personagens sem vínculo com o PT e debateu até a futura composição da diretoria da Petrobras.

Duelo de forças

Na avaliação desses aliados, por estar fora da Esplanada, Gleisi tem liberdade para assumir posições que não poderia abordar se fizesse parte da equipe de Lula. Por esse entendimento, se estivesse em algum ministério, aí sim as suas manifestações poderiam ser tratados como posicionamentos do governo.

Procurada, a presidente do PT não quis falar sobre a decisão do governo de manter Juscelino à frente do Ministério das Comunicações. Em entrevista à GloboNews, Glesi disse que, ao se posicionar, o partido ajuda o governo a se “manter no rumo necessário para cumprir os compromissos assumidos na campanha”.

— Um governo de coalizão, naturalmente, tem disputa de linha. Os outros partidos e agentes se posicionam, então o PT precisa se posicionar também. Não no sentido de fazer oposição, mas de trazer o governo para perto daquilo que o partido acredita.