O Globo, n. 32722, 10/03/2023. Opinião, p. 2

Só análise técnica deve determinar queda de juros



A pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus ministros para que o Banco Central (BC) reduza a Selic dos atuais 13,75% já encontra eco no mercado financeiro. Diversos gestores têm feito investimentos apostando em juros mais baixos antes do previsto (fim do ano). Parte do mercado prevê uma freada brusca da economia. O PIB cresceu 2,9% em 2022, mas houve contração de 0,2% no quarto trimestre, sinal de desaceleração.

Outro sinal relevante vem do mercado de crédito privado. Depois de quebrar recordes no ano passado, as emissões de dívidas corporativas despencaram 64%, de R$ 18,7 bilhões em janeiro para R$ 6,6 bilhões em fevereiro, como revelou reportagem do GLOBO. O crédito bancário também está em contração, diante da dificuldade de arcar com o custo do dinheiro, determinado pela Selic.

Se o cenário de queda nos investimentos e no consumo desaguar em estagnação, as pressões inflacionárias diminuirão, abrindo espaço para a queda mais rápida dos juros. Por enquanto, a maioria dos analistas não aposta nessa hipótese. O último Boletim Focus, do BC, prevê que o PIB crescerá 0,85%, a Selic fechará o ano a 12,75%, e o primeiro corte ocorrerá apenas em novembro. Mas a expectativa de que os juros possam começar a ser cortados mais cedo, antes apenas um desejo de Lula, começa a ganhar corpo entre economistas.

A confirmação de um PIB próximo de zero certamente aumentará a pressão sobre o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Como toda pressão política, ela vem embalada em argumentos nem sempre convincentes, embora sempre convenientes. O governo alega que a inflação brasileira fechou 2022 abaixo da americana e da europeia, mas esquece que são inflações de características distintas. Excluindo os itens voláteis, como energia ou alimentos, o núcleo da inflação brasileira está em 8,7%, ante 6% nos Estados Unidos e 5% na Zona do Euro, segundo análise recente do FMI. Isso também precisa ser levado em consideração na decisão do BC sobre a Selic.

Dois fatores alimentam as expectativas de inflação: o desequilíbrio nas contas públicas e a incapacidade de crescimento robusto e sustentado. Era com isso que o governo deveria se preocupar. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez bem ao antecipar para este mês a apresentação de uma nova regra fiscal. Se ela for confiável, o governo imediatamente colherá previsões menores de inflação, pois os agentes econômicos estarão convencidos de que os gastos inflados da União não aquecerão artificialmente a demanda e elevarão os preços.

Noutra frente, o governo precisa formar logo uma base de apoio no Congresso para aprovar a reforma tributária. A simplificação na cobrança de impostos livraria o país de amarras que atrasam o crescimento. É óbvio que nada seria instantâneo, mas isso também ajudaria a promover a reversão de expectativas. Nesse cenário virtuoso, o BC certamente teria espaço para iniciar o ciclo de redução de juros. Na verdade, esse espaço existiria naturalmente, não fossem a pressão e as declarações de Lula sobre economia, que interferem nas expectativas. Os responsáveis pela política monetária têm o dever de combater a inflação com base em análises técnicas independentes.

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