Título: Fatalidade ou conseqüência natural
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 13/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Lula está se revelando um Midas às avessas. Primeiro, Duda Mendonça; depois, Roberto Jefferson, e agora Severino Cavalcanti, toda escolha de um novo ''parceiro'', de um novo ''companheiro'', revela-se uma tragédia. Para ele e para o indicado. Não demora muito, e a figura é flagrada em algo condenável, entra em linha de tiro, e o governo se vê atolado em matéria peçonhenta.

Equivoca-se, porém, quem vir aí um acidente adverso de percurso, na ânsia presidencial de ampliar a sua base de sustentação parlamentar. Trata-se, apenas, de uma decorrência lógica no destino de alguém que, hipnotizado pelo fausto dos palácios, optou por mudar de lado, e decidiu enveredar pela rota de programas e alianças que antes sempre dizia renegar.

Nenhum dos exemplos citados pode ser considerado uma desagradável surpresa. Duda sempre foi homem de confiança de Maluf, personagem que exige talento excepcional de quem o queira fazer palatável. Buscá-lo para se ver travestido em ''paz e amor'' foi o primeiro sinal de que Lula, eleito, pretendia rejeitar sua simbologia original.

Quanto a Roberto Jefferson, dos primeiros contatos, ainda na campanha eleitoral, não faltaram protestos, a partir de petistas expressivos do Rio de Janeiro - Chico Alencar, Molon e Antonio Carlos Biscaia, em testa -, prometendo não participar de palanques em que ele pontificasse. Foram atropelados, porque Roberto Jefferson era abençoado na nova linha doutrinária do PT-Planalto. O cheque em branco já estava a caminho.

Severino não é diferente. Em artigo nesta página, por ocasião de sua eleição, registrei que não se aboletara na presidência da Câmara por acaso. Subalterno ao Executivo, corporativo na defesa dos mais mesquinhos interesses de seus pares, ele não era apenas representante do baixo-clero. Era a imagem da predominante ''pequena política'' que o governo Lula pusera em prática nas relações pouco nobres com o Parlamento. Derrotado Greenhalg, o Planalto não hesitou no repique: ''derrotado é o PT. Severino é um aliado''. Compreensível. Estava ali o acompanhante perfeito nos caminhos condenáveis que Lula se decidira percorrer, visando a reeleição em 2006. De um lado da rua, de mãos dadas com os banqueiros, consolidando-lhes, através da cumplicidade do Banco Central, a escalada de lucros pantagruélicos que passaram a abocanhar no atual governo. Na calçada oposta, mantendo sob rédeas curtas os movimentos sociais organizados outrora combativos, por meio de dois instrumentos. O mais acintoso foi a cooptação de algumas de suas lideranças, com destaque para o presidente da CUT, Luis Marinho. Que pagou a fatura com a primeira iniciativa: pressionar a Câmara no sentido de derrubar o salário mínimo aprovado no Senado.

O outro, mais discreto, mas não menos eficaz, quem revela é matéria da Folha de S.Paulo , ''Lula contraria TCU e não tira verba das centrais'', onde Fernando Canzian mostra que o governo ''vem descumprindo sistematicamente decisão do (TCU) Tribunal de Contas da União de interromper repasses de recursos públicos para as principais centrais sindicais do país''. E onde detalha: ''Nos últimos dois anos, pelo menos R$ 46,4 milhões, a maior parte em recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), foram destinados a quatro centrais sindicais, contrariando a decisão''.

Indispensável não esquecer: por indícios de utilização ilegal dessas verbas, boa parte da ''Articulação Sindical'', tendência da CUT correspondente à xará no PT, teria se introduzido em ''tenebrosas transações'', a despeito da resistência dos setores combativos do sindicalismo, postos em minoria.

Nesse contexto, resultou natural que a senadora Heloisa Helena, e os deputados Babá, Luciana Genro e João Fontes fossem expulsos do PT. Tornou-se inevitável que os ''pragmáticos'' passassem a dar as cartas. E redundou irreversível que os arrivistas de todos os matizes passassem a predominar, na definição dos caminhos do continuísmo neoliberal, de submissão à ''mão invisível'' do mercado, adotado pelo neolulismo.

PS: Henrique Meirelles não pode estar ausente no tema. Foi o primeiro ''neocompanheiro''. Alvo de investigação por sonegação fiscal e evasão de divisas, anda encolhido atrás de imunidade que lhe foi concedida por empenho pessoal do presidente da República. Não mereceu citação especial na abertura, mas encerra o texto para não ser esquecido.