Título: O civismo e o 7 de setembro
Autor: Jarbas Passarinho*
Fonte: Jornal do Brasil, 13/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Li um artigo de um escritor que me provoca reflexões quanto à visão ideológica a respeito do 7 de setembro. Não me é inédita. Conheci-a ainda nos recuados tempos de aluno de curso secundário, no Pará. Os integralistas tentavam cooptar as lideranças estudantis para a sua grei. Oradores inflamados, em comício de praça pública, em que se destacava o padre Helder Câmara, pouco antes de 7 de setembro, nos diziam empolgados que não havia razão para comemorações do Dia da Pátria, pois o Brasil não era um país independente. Insistiam: para ser soberano o Brasil precisava ter economia não dependente do exterior. Os comunistas também desmereciam o 7 de setembro. Defendiam o internacionalismo, a eliminação das fronteiras entre os países, ''uma nova humanidade fraterna, onde ninguém fosse capaz de explorar impunemente o trabalho de seu semelhante''. Ambos olhavam com certo desprezo o nosso entusiasmo juvenil na comemoração do 7 de setembro.

Muitos anos depois, posta na ilegalidade a Ação Integralista e esmagado o nazi-fascismo pelos aliados na Europa e o militarismo do almirante Togo, no Japão, pelos Estados Unidos, o comunismo se expandia da Ásia à África, nas guerras de descolonização, adotava Fidel Castro, no Caribe, em 1961 e tudo fazia para conquistar o Terceiro Mundo. Então, no Brasil, voltei a sentir a hostilidade ao 7 de setembro. Agora, eram as esquerdas que, paradoxalmente, repetiam a tese integralista de 1937: ''Como comemorar a independência, se o Brasil não era um país soberano? Após a vitória em 1945, o mundo se dividia em dois hemisférios ideológicos, o comunismo e a democracia, numa hostilidade denominada Guerra Fria, que durou de 1945 a 1991, com o colapso da União Soviética. Durante esses longos anos, o Brasil foi campo de experimento do conflito ideológico. Voltei a ouvir, das esquerdas, a acusação ao imperialismo, a pregação do calote patriótico da dívida externa na mesma litania dos integralistas, agora repetidos pelas esquerdas e seus diversos matizes, inclusive a Ação Católica. Em Pernambuco, nos anos 70, um padre italiano negou-se a rezar a santa missa no 7 de setembro, não só porque o Brasil não era um país independente, como porque o governo era de militares anticomunistas. Como a lei de anistia, de 1979, jamais foi respeitada pelos vencidos, continuam até hoje, por qualquer motivo, as agressões aos militares.

Um intelectual usou o 7 de setembro deste ano para a agressão. Ele recorda a infância, quando levado pelo pai para assistir a Parada de 7 de setembro, nos idos de 1940. Tem ''vivo na memória'' as marchas marciais, o entusiasmo de seu pai alçando-o ao ombro e os garbosos cavaleiros dos Dragões da Independência. Adulto e maduro senhor de meia-idade, a memória já é outra. Vê a perda de significação do 7 de setembro, ''pela rejeição ao autoritarismo do regime militar que destruiu as liberdades cívicas''. Ato falho, o do homem de letras. Em 1940, quando exaltou o civismo na Parada de 7 de setembro, eu era cadete. Vivíamos a mais forte ditadura civil, eliminadas todas as liberdades fundamentais, políticas e civis. A ditadura, então, era louvável e até alimentava o civismo? Agora, o retraimento popular é atribuído ao ''autoritarismo que destruiu as liberdades cívicas''. O retraimento se deu, sintomaticamente, neste ano da epidemia corruptora do núcleo petista desmoralizado.

Para os militares, continuam plenos o civismo, o amor à Pátria e o juramento de ''defendê-la com o sacrifício da própria vida''. As pesquisas publicadas mostram o prestígio dos militares junto ao povo. São as instituições que mais lhe infundem confiança. Isso, apesar das vicissitudes porque passam. Os recursos destinados às Forças Armadas são cada vez menores. Ao Exército, sacrificado já em 1995, o Orçamento Geral da União destinou 0,89%. Em 2004, irrisoriamente, 0,36% apenas, o que se reflete obrigatoriamente no adestramento das tropas. A Marinha, que entre outras atribuições deve proteger as áreas de produção de petróleo na plataforma continental, neste ano, para tal fim, teve a parcela de royalties fixada por lei em 1,26 bilhões de reais. Somente 49% foram liberados, 26% ficaram contingenciados e os restantes 25% consignados para o Ministério da Defesa para outros fins. A ''economia'' reforçou a meta do superávit primário, em troca do sucateamento da Força Naval e do Programa de Reaparelhamento da Marinha. A Aeronáutica não tem tratamento melhor. O Brasil é o país latino-americamo que menos gasta per capita com as Forças Armadas, e um dos que menos gastam no mundo.

Mas ainda são esses abnegados soldados, aviadores e marinheiros que, sobrepujando todas as dificuldades devidas aos cortes orçamentários, apresentam-se garbosos a colher o aplauso do povo no Dia da Pátria, e que, em Brasília, só não desfilaram na praça pública nos governos civis pós-1985, que passaram a Parada para o setor militar urbano. Ainda assim, o povo compareceu à cerimônia cívica, com o ''olhar risonho'' que o articulista já não vê.

*Jarbas Passarinho escreve no JBàs terças-feiras, a cada 15 dias