O Estado de São Paulo, n. 46698, 25/08/2021. Política p.A4

 

Senado aprova recondução de Aras à chefia da PGR

 

André Shalders 

 

O Senado aprovou ontem a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para mais dois anos à frente do Ministério Público Federal. A indicação feita pelo presidente Jair Bolsonaro passou pelo plenário do Senado por um placar de 55 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção. Aras precisava do “sim” de pelo menos 41 dos 81 senadores. Antes, durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o procurador-geral reiterou seu compromisso contrário à “criminalização da política”, uma posição popular no Congresso, inclusive com a oposição.

A sabatina de Aras durou aproximadamente seis horas. Ali ele criticou a Lava Jato e Rodrigo Janot (2013-2017), que também ocupou o cargo; rebateu acusações de que tem sido omisso diante dos ataques de Bolsonaro a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a instituições e se esquivou de falar sobre o caso do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

Foram poucos os senadores que fizeram perguntas mais duras, como Fabiano Contarato (Rede-ES), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Ao fim, a CCJ aprovou o parecer do relator Eduardo Braga (MDB-AM), favorável a Aras, por 21 votos a 6.

O procurador-geral chegou ao cargo em setembro de 2019, por escolha de Bolsonaro. Desde 2003, ele foi o primeiro chefe do Ministério Público Federal escolhido fora da lista de três nomes preparada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Apesar de popular entre os políticos, Aras é acusado por colegas na PGR de ser conivente com as falhas do governo na condução da pandemia de covid-19 e com as ações antidemocráticas de Bolsonaro e seus aliados.

Em seu primeiro mandato, o procurador-geral aboliu o modelo de forças-tarefa, usado nas operações Lava Jato, Zelotes e Greenfield, entre outras. Na sua avaliação, esse expediente resultou em “uma série de irregularidades” e em gastos desnecessários com passagens e diárias de procuradores. Aras alfinetou Rodrigo Janot, que também ocupou o cargo, e indiretamente o acusou de promover “vazamentos seletivos” e “espetáculos midiáticos”.

“Talvez, se nós tivéssemos (...) feito o vazamento seletivo das operações e dos investigados, talvez eu estivesse numa posição de muito elogio, como quem distribuiu flechadas para todo o Brasil, criminalizando a política. Mas (...) me comprometi com Vossas Excelências a cumprir minha obrigação constitucional com parcimônia, sem escândalo”, disse Aras aos senadores. Em outro momento, ao citar seu pai, o ex-deputado federal Roque Aras (19791983), o chefe do Ministério Público Federal disse saber “o quanto sofre um político”.

Questionado pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS) sobre o caso do orçamento secreto, Aras foi evasivo. Disse que a ideia de um orçamento “secreto” era “juridicamente e fisicamente impossível”. Embora as verbas sejam parte do Orçamento da União, que é público, o nome “orçamento secreto” faz referência ao fato de o mecanismo das emendas de relator tornar impossível saber os autores das indicações, ao contrário do que ocorre com outros tipos de emendas. Aras disse que cabe ao Congresso definir a destinação das verbas.

 

Resistências. Natural de Salvador (BA), Aras conquista o segundo mandato à frente da PGR sofrendo resistências entre seus pares. No início deste mês, por exemplo, 27 dos 72 subprocuradores gerais assinaram um manifesto que o acusava de “assistir passivamente” aos ataques de Bolsonaro contra o Judiciário, levantando dúvidas sobre a urna eletrônica e ameaçando a realização das eleições de 2022.

Questionado se dará continuidade a indícios levantados pela CPI da Covid contra Bolsonaro, Aras disse apenas que cabe a ele atuar respeitando a Constituição. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), promete enviar provas contra o presidente em breve à Procuradoria-geral da República.

Aras admitiu que havia “ameaças reais” a ministros do Supremo por parte do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e do ex-presidente do PTB Roberto Jefferson quando o ministro Alexandre de Moraes determinou as prisões. “O grande problema, no caso concreto, é que nos manifestamos contra prisões, inicialmente, porque a liberdade de expressão, segundo doutrina constitucional e jurisprudência do próprio Supremo, é controlada a posteriori, ou seja, primeiro o indivíduo”, afirmou. “(...) Se, em um primeiro momento, a liberdade de expressão era o bem jurídico constitucional tutelado mais poderoso que existe dentro da nossa Constituição, num segundo momento já se abandonou a ideia da liberdade de expressão para configurar uma grave ameaça”.

Desde que tomou posse, em 2019, Aras reduziu a quantidade de denúncias apresentadas pelo MPF contra políticos com foro no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até o momento, ele apresentou 46 denúncias aos tribunais superiores, quase um terço (28%) a menos do que a antecessora Raquel Dodge (2017-2019).

Nomeada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), Dodge produziu 64 denúncias contra políticos durante os dois anos de seu mandato. Denunciou o próprio Temer e ministros do governo. 

 

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O desmonte da Lava Jato foi o maior trunfo do Chefe do MPF

 

ANÁLISE: Carlos Melo

 

Exemplo da escassez de grande política, o Brasil agradece o que está ruim hoje por medo de que possa estar ainda pior amanhã: complacentemente, aceita Augusto Aras por temor daquilo que poderia vir a ser alternativa a ele. Não só isso: também negligencia o debate sobre o método de definição do nome do procurador-geral, tornando-o resultado de um campo de interesses e conveniências políticas pouco promissor em relação ao processo democrático e de aperfeiçoamento institucional.

Como disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), “se (Aras) tivesse tido divergência com Bolsonaro, não seria indicado à recondução – como se deu com os excomandantes das Forças Armadas”. Aras é reconduzido menos pela preservação de seu papel institucional e mais em razão do jogo de conveniências que reúne aliados e adversários do presidente da República. Ficou claro que o indicado foi definido e referendado pela boa relação com o presidente e, também, pela execução de uma missão que parecer ter-lhe sido dada por parte do sistema político: o desmonte da Operação Lava Jato.

Foi pelo menos a ênfase da defesa de seu desempenho ao longo do primeiro mandato. E, provavelmente, o tenha feito, sim, pelos notórios defeitos daquela operação, mas também por seus raros méritos. Com a água do banho, foise a criança. Nada disso pode ser compreendido como “defesa da política”. Não da política necessária.

A Lava Jato cometeu erros; há caminhos institucionais normais para repará-los, ainda que ao custo de escaramuças e conflitos naturais. Mas, Procuradoria-geral alguma pode resumir seu desempenho a isso. Transformar o desmonte de uma operação – por mais importante – na razão e no triunfo do PGR é um despropósito.

O fundamental papel da PGR no sistema de freios e contrapesos da democracia foi solenemente ignorado. O clima da arguição no Senado levou ao sentimento de que o fim da Lava Jato valeu a missa, o resto é detalhe. Não é. Tomou-se remédio para o fígado ignorando que excessos comprometiam todo o organismo.