O Estado de São Paulo, n. 46699, 26/08/2021. Política p.A4

 

Projeto prevê quarentena a juízes, militares e policiais

 

Congresso. Código Eleitoral em discussão estabelece hiato de cinco anos também para promotores concorrerem à eleição; se aprovado, Moro não poderá se candidatar em 2022

Camila Turtelli

A proposta de um novo Código Eleitoral em tramitação na Câmara dos Deputados incluiu na última hora um dispositivo que pode barrar eventual candidatura do exjuiz Sérgio Moro à Presidência da República e de centenas de militares com ambições eleitorais em 2022. O texto prevê a exigência de uma quarentena de cinco anos para que militares, policiais, juízes e promotores possam concorrer às eleições.

A regra foi incluída no texto da deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do novo projeto da reforma eleitoral, ontem, e vinha sendo debatida nos bastidores do Congresso. O plenário da Casa pretendia votar a possibilidade de o texto ser tratado em regime de urgência ainda na noite de ontem. Na prática, isso permite que o projeto possa ser submetido à votação direta pelo plenário a qualquer momento, sem ter de passar por comissões. Basta que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), paute o tema. A expectativa dos deputados é de que isso ocorra na próxima semana.

Caso o projeto seja aprovado sem alterações nos plenários da Câmara e do Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até outubro deste ano, o caminho para as eleições de 2022 estará fechado para militares, policiais, juízes e promotores. As últimas eleições foram marcadas por um avanço nas candidaturas de representantes das Forças Armadas, magistratura, Ministério Público e polícias.

A aprovação do texto de 371 páginas e mais de 900 artigos é uma promessa de campanha de Lira. O projeto reúne todas as regras atuais que definem o funcionamento dos partidos e do sistema eleitoral, para unificar tudo em uma redação única. Para isso, a proposta revoga todos os artigos e demais leis relacionadas às eleições.

Margarete disse ter acolhido pedidos de várias siglas e ter usado como referência textos que já tramitavam na Câmara. “Há um interesse na Casa e esse relatório é um projeto do Parlamento. Ouvi todos os partidos e acolhi as sugestões que tinham certa unanimidade”, disse a relatora ao Estadão/ Broadcast.

A nova versão do Código Eleitoral determina que são inelegíveis servidores integrantes das guardas municipais, das polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, polícias civis, magistrados e membros do Ministério Público que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até cinco anos anteriores ao pleito. Margarete excluiu da regra aqueles servidores que já possuem mandato.

Para Walber Agra, professor livre-docente da USP e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o prazo de vedação para as candidaturas é razoável. “É uma forma de garantir uma neutralidade não apenas fictícia, mas pragmática ao Poder Judiciário. Com o prazo de cinco anos para poder disputar as eleições, magistrados e membros do Ministério Público irão refletir de forma mais abalizada se devem entrar na luta política ou não. Isto porque a sociedade perde quando há uma politização do Judiciário e ele começa a se imiscuir em questões políticas.”

O Podemos, partido que busca ser abrigo para uma eventual candidatura de Moro, reagiu à inclusão da quarentena. Em nota, afirmou que “repudia a manobra na legislação a toque de caixa para aprovar um dispositivo que iguala juízes, magistrados e policiais aos fichas-sujas”.

“Alterar o Código Eleitoral, estabelecendo uma quarentena de cinco anos, é tentativa clara de atingir Sérgio Moro, cuja candidatura não passa, por enquanto, de um desejo dos brasileiros e de partidos, como o Podemos. Mesmo que aprovada, a lei não poderia retroagir. Portanto, são inúteis os esforços para impedir uma possível candidatura de Sérgio Moro”, diz o comunicado assinado pela presidente do partido, Renata Abreu.

 

Pesquisas. Outro ponto polêmico do texto diz respeito à realização de pesquisas eleitorais. A proposta proíbe a divulgação desses levantamentos no dia e na véspera das disputas, sob o argumento de que isso poderia ter efeitos sobre o voto do eleitor no momento mais próximo de sua decisão. Para críticos ao texto, trata-se de um tipo de censura que afeta o acesso à informação que sempre esteve presente nos pleitos no País, desde a redemocratização.

A proposição também muda as regras atuais sobre como os partidos, que recebem dinheiro público, devem prestar contas à Justiça Eleitoral. Atualmente, existe um sistema criado especialmente para isso no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA).

O novo projeto, no entanto, altera essa divulgação e passa a prever que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal. Também reduz o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos, de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Na prática, se a Justiça não conseguir concluir a análise em até dois anos, a verificação pode não mais ser feita. Caso o partido venha a ter suas contas reprovadas pelo TSE, sua punição passa a ter um teto de R$ 30 mil. Hoje, a multa pode ser de até 20% do valor apontado como irregular.

As propostas polêmicas suscitaram mais críticas, porque podem limitar a atuação do TSE, além de diminuir a transparência e a fiscalização de partidos no uso dos recursos públicos, entre outros pontos. A deputada Margarete Coelho, no entanto, disse que as novas regras devem agilizar a análise de contas dos partidos. Ela também negou restrições ao TSE. “O projeto oferece mais segurança jurídica ao tribunal e aos próprios eleitores, delimitando o campo de atuação da justiça eleitoral.”

 

Fundo Partidário. Outra mudança diz respeito ao uso dos recursos do Fundo Partidário, uma espécie de “mesada” de dinheiro público para a manutenção das legendas. O projeto libera o uso da verba do fundo para a compra de bens móveis e imóveis, além de “gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido”.

O texto determina ainda que sejam contados em dobro os votos dados a candidaturas de mulheres e negros para a Câmara, para efeitos de distribuição do dinheiro do Fundo Partidário e do fundo eleitoral.

 

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Proposta pode 'anistiar' siglas

 

PARA LEMBRAR

O projeto de lei que complementar que tramita na Câmara para criar um Código de Processo Eleitoral abre brechas para uma espécie de "anistia" aos partidos políticos que gastam recursos públicos de forma indevida, como mostrou, mês passado, reportagem do Estadão. O texto prevê redução de 5 para 2 anos de prazo para o TSE analisar contas das legendas, o que, segundo técnicos, sobrecarregaria o sistema precário de fiscalização e empurraria boa parte delas para a prescrição. Para a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), relatora do projeto, a norma, no entanto, visa agilizar s contas dos partidos.

 

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Em ato pró-terceira via, MDB tenta frear Lula

 

Marcelo de Moraes

 

Com o lançamento ontem do documento "Todos por um só Brasil", o MDB tenta marcar posição a favor da construção de uma terceira via na disputa presidencial fora da polarização entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. A partir deste posicionamento, a legenda busca não apenas participar da montagem de uma alternativa, mas também colocar um freio nas conversas políticas que setores do MDB vêm tendo com Lula.

Nos últimos dias, o ex-presidente se reuniu com importantes lideranças emedebistas, como Roseana Sarney, Garibaldi Alves e Eunício Oliveira, entre outros. Como Lula é politicamente forte no Nordeste, líderes emedebistas locais têm aceitado discutir a sucessão de 2022 com o ex-presidente, que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto.

O problema é que esse movimento contraria a opinião de parte da cúpula do MDB, que defende a participação na candidatura de uma terceira via. Para isso, inclusive, o MDB já estuda organizar um evento nas próximas semanas para apresentar a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) dentro das opções para a terceira via, mas sem impor seu nome como cabeça de chapa.

O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), disse que o partido é contra qualquer radicalização política dentro de todo o espectro político. Baleia citou que tem feito parte da discussão de um grupo de nove partidos em torno da construção da terceira via. E acredita ser importante o fato de o partido apresentar um documento com suas propostas para o Brasil em vez de "fulanizar" o processo eleitoral e tendo de adaptar o partido às ideias prévias de um candidato.