O Globo, n. 32724, 12/03/2023. Opinião, p. 2

Trama do destino

Merval Pereira


A previsível indicação do presidente  de seu advogado pessoal Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal () está provocando discussões éticas e s tão grandes quanto as nomeações do ex-presidente , que escolheu um candidato “extremamente evangélico”, e outro, Nunes Marques, que faz questão de demonstrar diariamente sua gratidão pela indicação surpreendente, inclusive para ele mesmo, que fazia lobby para ir para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e acabou no .

A escolha da primeira mulher na Corte, Ellen Gracie, por Fernando Henrique, ou de um negro, Joaquim Barbosa, por , tem uma explicação óbvia de tornar o plenário mais representativo. No momento, há movimento a favor da escolha de uma mulher negra para juíza do , o que seria um pioneirismo. Até mesmo o  Edson Fachin manifestou-se a favor da tese, ele que foi muito criticado, inclusive por mim, quando escolhido por Dilma, pois participara de campanha a favor de sua candidatura, mas porta-se com rigor e isenção no .

A indicação de auxiliares próximos, como Gilmar Mendes por Fernando Henrique, ou Toffoli por , e Alexandre de Moraes por Temer, tem uma explicação técnica e de confiança. Os dois primeiros foram da Advocacia Geral da União (AGU), e o último  da Justiça. Toffoli tinha, como desfavorável, o fato de ter tido uma vida jurídica unicamente ligada ao PT, sem atividades anteriores de valor. Tendo inclusive sido reprovado em exames para juiz.

Mas escolher André Mendonça que, mesmo tendo sido da AGU de  e reconhecidamente ser um jurista de qualidade, por ser “extremamente evangélico”, foi um erro que o  deveria ter barrado. A questão religiosa não deveria nunca entrar em debate quando se trata da escolha de funcionário de um  laico.

Faz parte do jogo democrático o presidente nomear juízes que sejam do mesmo espectro que o seu, desde que tenham capacitação comprovada. e Dilma nomearam vários s que se comportaram com correção nos julgamentos do mensalão e do petrolão. Raros foram os que já se sabia de antemão como votariam. Pode-se até questionar se essa é a melhor maneira de escolher os s da mais alta Corte do país, mas não criticar escolhas de juízes mais conservadores, ou mais progressistas, de acordo com a presidência do momento.

Mas a relação pessoal como a com Cristiano Zanin, apesar de sua qualificação profissional, não é comum, e pode ser contestada no . Zanin atuou nos processos em que foi réu no contexto da Operação Lava Jato, e foi definido pelo presidente como seu “amigo”, o que fere o principio da impessoalidade no serviço público.

A Suprema Corte dos Estados Unidos é o modelo de Corte Constitucional em que se baseia nosso Supremo, e como cá, nos EUA os presidentes da República nomeiam os s. Mas lá o , sempre equilibrado entre os partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou. Lindon B. Johnson nomeou seu advogado pessoal Abe Fortas e depois tentou faze-lo Presidente da Corte – lá é o Presidente dos Estados Unidos quem nomeia o presidente da Suprema Corte, função vitalícia -, mas o  não aceitou, e Fortas renunciou.

A sabatina dos indicados pelo  brasileiro é mais uma farsa do que uma verdadeira escrutinação. A primeira indicação de  pode, porém, inaugurar uma nova fase, pois o atual  tem maioria conservadora, e de oposição. A vantagem de Zanin é que ele em defesa de , atacou a Operação Lava-Jato, e a maioria dos s gosta desta tese.