O Estado de São Paulo, n. 46701, 28/08/2021. Política p.A10

 

Bolsonaro diz que 'todo mundo tem que comprar fuzil'

 

No auge da crise entre os poderes, o presidente Jair Bolsonaro incentivou a população a se armar e chamou de "idiota" os que dizem ser melhor comprar feijão do que fuzil. Às vésperas da manifestação de 7 de Setembro, em confronto com o Supremo Tribunal Federal e no momento em que se discute o risco de ruptura institucional, Bolsonaro subiu o tom e disse a apoiadores que o povo precisa estar armado.

"Tem que todo mundo comprar fuzil, pô! Povo armado jamais será escravizado", afirmou o presidente ontem, ao conversar com eleitores em frente ao Palácio da Alvorada. "Eu sei que custa caro. Daí tem um idiota que diz "ah, tem que comprar feijão'. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar", disse ele, antes de embarcar para Goiânia.

A declaração de Bolsonaro foi em resposta a um questionamento de um apoiador sobre os CACS, grupo que inclui colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. "O CAC está podendo comprar fuzil. O CAC que é fazendeiro compra fuzil 762", afirmou o presidente. A compra desse tipo de arma, no entanto, é proibida para a maior parte dos cidadãos.

Em agosto de 2019, por meio de uma portaria, o Exército regulamentou que tipos de armas são de uso permitido para civis. Isso ocorreu após Bolsonaro publicar uma série de decretos que flexibilizavam acesso e porte. A maior parte das armas permitidas pelo Exército é de pistolas e revólveres, mas também há na lista carabinas e rifles de longo alcance. Calibres como o 5.56 mm e o 7.62 mm, usados em fuzis como o AR-15, são de uso restrito das Forças Armadas e de polícias militares.

O aumento na quantidade de armas de fogo com civis é um dos fatores que levaram a uma alta no número de homicídios no ano passado, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Estadão mostrou, em julho, que houve um crescimento no uso de armas em assassinatos registrados no ano passado. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 apontou 186.071 novos registros de armas de fogo na Polícia Federal no ano passado – número 97,1% maior em relação ao ano anterior.

No exterior e no Brasil, estudos científicos também apontaram para taxas de violência maiores em lugares onde o acesso a armas de fogo é mais fácil. Em 2018, um relatório do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos analisou estatísticas criminais de 1977 a 2014 e as leis de porte de armas em mais de 30 Estados americanos. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que Estados mais permissivos com porte de arma chegavam a taxas de crimes violentos até 15% maiores do que aqueles que restringiam o uso.

 

'Golpe'. Em relação à crise do Executivo com os outros poderes, Bolsonaro ironizou: "Estão dizendo que quero dar golpe. São idiotas, já sou presidente". E, novamente convocando simpatizantes para as manifestações marcadas para o 7 de Setembro, o presidente disse que fará um discurso mais longo no ato da Avenida Paulista, em São Paulo. Segundo Bolsonaro, os atos vão mostrar para o mundo "que o Brasil está sofrendo".

O presidente também manteve sua posição de confronto com o Judiciário e afirmou que não pode haver "interferências" no Executivo. "Não quero interferir do lado de lá, mas precisam me deixar trabalhar do lado de cá. Está difícil governar o País dessa forma", declarou.

O presidente voltou a criticar ministros de tribunais superiores. "Não pode um ou dois caras estragar a democracia. Começaram a prender na base do canetaço, bloquear redes sociais. Agora o câncer já foi para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Temos que colocar um ponto final nisso", disse Bolsonaro.

Nesta semana, em uma derrota para o Planalto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), rejeitou pedido de impeachment apresentado por Bolsonaro contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Já semana passada, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, determinou a suspensão de repasses a canais bolsonaristas investigados por fake news. A decisão atendeu a pedido da PF, na investigação aberta por causa da "live" em que Bolsonaro citou informações falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral. / SOFIA AGUIAR e EDUARDO GAYER 

 

'Escravizado'

"Povo armado jamais será escravizado. Aí tem um idiota: 'Ah, tem que comprar é feijão'. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar."

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 

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Levantamento ouviu policiais

 

PARA LEMBRAR

Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada com mais de 6,6 mil policiais no País, apontou que 10,4% do grupo é favorável à liberação ampla das armas de fogo para a população. Na outra ponta, 16% dos agentes de segurança se declararam completamente contrários à política armamentista. Já 73,6% concordaram com o uso de armas por civis, mas defenderam diferentes níveis de restrições.

Os dados, divulgados em meados de julho, integram o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Foram ouvidos agentes das polícias Militar, Civil, Federal, Penal, Rodoviária Federal (PRF) e Técnico-científica, além do Corpo de Bombeiros e da Guarda Municipal.