O Estado de São Paulo, n. 46701, 28/08/2021. Economia p.B4

 

Presidente do BC minimiza risco fiscal

 

Em discurso mais alinhado com o da equipe econômica, Campos Neto afirma que ‘números não mostram’ desequilíbrio de contas públicas

 

Thaís Barcellos

Lorenna Rodrigues 

Camila Turtelli 

 

Um dia depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a autonomia do Banco Central, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, fez ontem um discurso mais alinhado com o governo, argumentou que os números atuais não mostram a deterioração do cenário fiscal – repetindo que há diferença entre percepção com ruídos e realidade – e ainda voltou à narrativa de que a alta dos preços é “temporária”.

 

“Cadê a grande deterioração fiscal? Números não mostram isso”, disse ele, durante seminário promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Esfera, que contou ainda com a participação do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progessistas-AL).

O discurso é bem mais ameno do que o feito no dia 13 de agosto, quando Campos Neto disse que “é impossível para qualquer Banco Central do mundo fazer um trabalho de segurar as expectativas (de inflação) com o fiscal descontrolado”. Na terça-feira passada, ele já tinha baixado o tom ao dizer que via “um pano de fundo melhor do fiscal”.

Ontem, ele citou a evolução das projeções no Boletim Focus (uma consulta semanal feita pelo BC a uma centena de economistas) e disse que as estimativas para a dívida bruta estão melhorando desde novembro de 2020 e que, neste momento, as projeções são bastante parecidas com o cenário anterior à pandemia de covid-19. Para 2021, a projeção é de 81,5% do PIB, contra 81% da estimativa do governo antes da pandemia. Para o resultado primário (a diferença entre tudo o que o governo arrecada e o que gasta), a projeção antes da pandemia era de déficit de 1,0%, em 2021, e zero em 2022; agora, é de 1,70% e 0,30%, 0,40%, disse Campos Neto.

O presidente do BC ainda refutou o argumento de que a melhora fiscal é explicada apenas pela inflação. “A inflação teve seu efeito, mas há vários efeitos que são importantes”, disse, citando o maior consumo de bens (que geram maior arrecadação tributária) na pandemia e de serviços formais online ante informais.

Campos Neto ainda disse que existe ruído de associar processo eleitoral a medidas do governo, referindo-se a críticas de que o fundo que viria a ser criado na PEC dos precatórios (dívidas judiciais que a União é obrigada a quitar) seria usado para ampliar o Bolsa Família com o objetivo de garantir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, tudo será feito dentro do regime de responsabilidade fiscal.

“Parte da comunicação do governo poderia ter sido de forma mais suave. Entendendo que existe ruído de associar processo eleitoral a medidas. Mas o País fez medidas estruturais na pandemia quando ninguém tinha feito, e dentro do regime de responsabilidade fiscal”, completou, destacando que o compromisso do Congresso com o fiscal é importante.

 

Inflação. Campos Neto citou novamente que há enorme alta de inflação no mundo inteiro, mas que tende a ser temporária. Segundo ele, a pandemia alterou o padrão de consumo, com substituição de serviços por bens, mas, com a reabertura das economias, isso deve se normalizar, com o arrefecimento da inflação de bens.

Há seis meses, quando a lei da autonomia do BC entrou em vigor, os economistas do mercado financeiro esperavam uma inflação comportada, de 3,82% neste ano. Agora, esperam que o índice oficial de preços termine o ano em 7,11% em 2021, muito acima do teto da meta para este ano (de 5,25%) e quase o dobro do centro do alvo (de 3,75%).

Campos Neto reconheceu que o Brasil tem inflação alta, mas estaria próximo de países pares, como Rússia e Índia. “O Brasil tem coisas particulares, mas tem processo de alta de inflação generalizada”, afirmou.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do País – registrou alta de 0,96% em julho, chegando a 8,99% no acumulado dos últimos 12 meses, maior porcentual desde maio de 2016, quando estava em 9,32%. Em 2021, o IPCA acumula alta de 4,76%.

 

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Juro no rotativo do cartão vai a 331,5% ao ano

 

O juro médio cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito subiu 4 pontos porcentuais de junho para julho, passando de 327,5% para 331,5% ao ano, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central. O rotativo do cartão, com o cheque especial, é uma modalidade de crédito emergencial para quem não consegue quitar o valor total da fatura.

No caso do parcelado, o juro passou de 164,5% para 163,6% ao ano. Considerando o juro total do cartão de crédito, que leva em conta tanto as operações do rotativo quanto as do parcelado, foi de 61,4% para 62,0%.

Em abril de 2017, começou a valer a regra que obriga os bancos a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado – que tem juros mais baixos. A intenção do governo com a regra era permitir que a taxa de juros para o rotativo do cartão de crédito recuasse, já que o risco de inadimplência, em tese, cai com a migração para o parcelado.

Já no cheque especial das pessoas físicas, a taxa recuou de 125,6% ao ano, em junho, para 123,5% ao ano em julho. Nessa linha de crédito, o BC adotou um teto para os juros.

Desde 2018, os bancos estão oferecendo um parcelamento para dívidas no cheque especial. A opção vale para débitos superiores a R$ 200. Em janeiro de 2020, o BC passou a aplicar uma limitação dos juros do cheque especial, em 8% ao mês (151,82% ao ano).

 

Endividamento. O endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro renovou o patamar recorde e ficou em 59,2% em maio, ante 58,3% em abril, também segundo os dados do BC. Isso significa que, para cada R$ 100 que uma família recebeu no último ano, ela já tem uma dívida contratada de quase R$ 60. / EDUARDO RODRIGUES e CÉLIA FROUFE