O Globo, n. 32724, 12/03/2023. Economia, p. 16

Boas notícias e os complicadores

Míriam Leitão


É difícil definir uma conjuntura como a atual. Há excelentes notícias e vários complicadores. A inflação de alimentos está caindo e os preços de grãos e de carnes já estão baixando, apesar do número ruim do IPCA de fevereiro. Este é o primeiro alívio desde o começo da pandemia. Arroz e feijão, no entanto, permanecerão altos. O PIB vai desacelerar e crescer 1% este ano, mas tem chances de subir no ano que vem, com a recuperação mundial. Os juros estão muito elevados e o mercado de crédito está piorando. O governo tem desarmado bombas herdadas como, por exemplo, o bom acordo que fez com os estados e anunciado na sexta-feira, para resolver o problema da queda forçada do ICMS imposta pelo governo Bolsonaro.

O economista José Roberto Mendonça de Barros é taxativo ao analisar as várias nuances dessa conjuntura.

– Vai errar quem comprou o cenário desastre, aliás muita gente já está perdendo dinheiro por acreditar nesse cenário ruim. Houve quem apostasse em dólar a R$ 5,60 ou mais, mas ele tem ido, no máximo, a R$ 5,20. Quem comprar o cenário muito positivo também vai errar. No meio vai acontecer muita coisa boa e ruim, que cabe ao analista ver a combinação.

A queda dos preços dos alimentos é a melhor notícia da temporada e ela acontece em parte pela supersafra que está sendo colhida. Com redução dos preços de soja e milho, rações ficam mais baratas, o que derruba o preço de frango e porco. Carne vermelha já estava em queda antes do embargo. E isso eu conversei também com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que é pecuarista. Ele contou que está acontecendo o ciclo de baixa do boi e deu seu próprio testemunho de estar comprando agora o bezerro muito mais barato do que há um ano. E os insumos também estão em queda. O problema vai ficar restrito à dobradinha arroz com feijão.

– La Niña atingiu fortemente o Rio Grande do Sul o que afetou a produção de arroz que, contudo, é fácil importar. O problema é o feijão que consumimos aqui que só nós produzimos, e não adianta o PT falar em estoque regulador. Feijão não se guarda – explicou José Roberto.

No governo, a preocupação é com a taxa de juros que é vista como a causa de todos os problemas, como me contou um participante de recente reunião no Palácio. A avaliação interna é que os juros vão impedir o crescimento e ampliar o risco de empresas quebrarem pela piora das condições do mercado de crédito.

– Vamos ficar entre um cemitério de empresas ou a necessidade de um pronto socorro – me disse o político.

José Roberto admite que os juros estão altos sim e acha que essa parte da crítica está certa. Prevê queda mais adiante, mas diz que os problemas no mercado de crédito são decorrentes da crise das Americanas e estão restritos ao setor.

– Houve uma reprecificação no volume, condições financeiras e taxas dos empréstimos, e isso levará a uma reorganização do varejo e afetará o fornecedor do varejo, mas não é o suficiente para provocar uma crise – afirmou José Roberto.

Roberto Padovani, do BV, não vê também o risco de uma crise de crédito.

– Esse é um debate ainda em aberto, mas na minha avaliação não é uma crise de crédito. Isso acontece quando a economia entra em recessão, as empresas têm receita caindo e há um fenômeno generalizado de piora das condições financeiras, calotes, oferta de crédito. Agora o que está acontecendo pega o varejo e o pequeno varejo.

Em Brasília, o governo Lula tem agora o desafio de construir uma base sólida na Câmara, até porque tem uma pauta econômica ampla pela frente.

– A reforma tributária vai sair. Se vai ser melhor ou pior, depende das circunstâncias, mas o fato é que ela pode ser sim uma mudança estrutural relevante com impacto no custo das empresas, aí a inflação vai cair muito mais do que está caindo – diz José Roberto.

Ele acha que se o governo confirmar uma política orçamentária que leve o déficit a menos de 1% do PIB este ano e perto de zero no ano que vem, como tem prometido o ministro Fernando Haddad, e a âncora fiscal for “minimamente razoável”, o dólar vai para menos de R$ 5 e o país pode crescer mais no ano que vem. Até porque, ele prevê uma retomada da economia dos Estados Unidos em 2024, e da própria Europa. Mas, como alerta, “tudo vai depender da nova regra fiscal”.