Título: Reforma nasce sob polêmica
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 14/09/2005, Internacional, p. A9

Começa hoje a Cúpula Mundial das Nações Unidas, que reúne, em Nova York, 170 líderes de Estado para discutir, além de questões de paz, segurança internacional e desenvolvimento social, a reforma da organização. O encontro já está sendo considerado o mais importante da história da ONU, que completa 60 anos. O documento que estabelece as bases para a reestruturação, a ser submetido aos países-membros, foi aprovado ontem pela Assembléia Geral.

Um comitê com representantes de 33 países-membros terminou às pressas a declaração na qual concordam com a reforma. A minuta, no entanto, diluiu as ambiciosas propostas do secretário-geral Kofi Annan, ligadas aos direitos humanos, terrorismo, segurança e desenvolvimento global. O documento corta o tema do desarmamento quase que por inteiro e não chega a um consenso sobre a ampliação do Conselho de Segurança, atualmente com 15 membros.

- O documento está longe de ser o tipo de revolução cultural de que precisamos - afirmou o embaixador americano, John Bolton.

- Ninguém está 100% feliz. A questão é saber quantos ficarão muito insatisfeitos - disse Jan Eliasson, presidente da Assembléia Geral.

Já para Annan, é lamentável que o texto final tenha deixado de fora um compromisso com a não-proliferação e o desarmamento nuclear:

- Falhamos pela segunda vez - disse, referindo-se à negociação do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, fracassado.

Entre as medidas previstas estão a criação de um órgão para substituir a desacreditada Comissão de Direitos Humanos, a formação de uma comissão para a paz (encarregada de ajudar países que saem de conflitos), a intervenção da comunidade internacional em casos de crimes de guerra e genocídios que ameacem civis, além de temas relativos à reforma administrativa da organização, em especial do Secretariado. Os EUA são contra o atual controle do órgão pela Assembléia Geral, o que não garante ao secretário-geral, cargo máximo, poder suficiente para estabelecer prioridades de gastos.

O documento reafirma ainda o compromisso com os Objetivos do Milênio, que pretendem, entre outras metas, reduzir a pobreza mundial pela metade até 2015. Na opinião do secretário-geral, não se trata de fracasso, mas de um ''processo'':

- Gostaríamos de uma linguagem mais firme, mas foram os Estados-membros que tomaram as decisões. Não foi fácil - afirmou. - No fundo, o interesse coletivo é em benefício do interesse nacional.

Para o analista da Heritage Foundation, Brett Schaefer, a reforma é decisiva para o futuro das Nações Unidas:

- Quem irá confiar na ONU depois de escândalos como o do programa ''Petróleo por Alimentos'' do Iraque? Falta transparência e competência geral. Não consigo imaginar o futuro das Nações Unidas sem a reforma - afirmou ao JB.

Schaefer acredita que muitos pontos vão ficar de fora da discussão da Cúpula:

- O Conselho de Segurança, por exemplo, está morto e não entrará na agenda. Felizmente, a Comissão de Direitos Humanos está em pauta - avalia. - O mais importante, no entanto, é discutir a reestruturação administrativa. É preciso que o Secretariado tenha autoridade suficiente para comandar a estrutura de forma transparente.

O jornalista especializado em Nações Unidas, Ian Willians, entretanto, é mais pessimista:

- Não acredito que mudará muita coisa com reforma ou sem. O 60° aniversário da organização não significará muito para seu futuro. A organização continuará com o apoio popular que tem em todo o mundo - afirmou, de Nova York. - Trata-se de reformar seus membros para que cumpram o que prometeram ao assinarem a Carta da ONU. Se a reforma fracassar, a responsabilidade será dos países.

Willians também não acredita na reforma do Conselho de Segurança, órgão em que o Brasil pleiteia uma cadeira permanente:

- Não haverá nenhuma mudança significativa. O mais importante seria reavaliar o papel do órgão, o que também não irá acontecer.

O documento aprovado ontem condena o terrorismo ''em todas as suas formas''. Mas foi retirada do texto a passagem que chama de ''injustificáveis'' as mortes deliberadas de civis. A minuta, considerada inaceitável por palestinos e islâmicos, omite também as propostas árabes sobre o direito de resistência à ocupação estrangeira.

Já o presidente dos EUA, George Bush, e outros líderes do Conselho de Segurança pretendem adotar a resolução do Reino Unido sobre formas de reprimir o incitamento ao terrorismo.

Cuba e Venezuela queixaram-se de não participarem do comitê de elaboração do documento e lamentaram não terem tempo para ler o texto integralmente, aprovado às pressas, na véspera do início da Cúpula Mundial, além de considerar alguns pontos como ''inaceitáveis''.