O Globo, n. 32726, 14/03/2023. Opinião, p. 3

Solucionar caso Marielle é dever da democracia

Anielle Franco


O 14 de março, marcado pela brutal execução de Marielle e Anderson, completa meia década, ainda sem termos resposta para a pergunta que ecoa mundo afora: quem mandou matar e por quê? Esse dia de dor e memória, no entanto, em 2023, apresenta um novo fôlego. É a primeira vez, em cinco anos, que temos um governo federal verdadeiramente comprometido com solucionar o crime contra minha irmã, uma vereadora negra, mãe, bissexual, favelada e defensora dos direitos humanos, brutalmente assassinada em exercício político.

O presidente Lula colocou o caso na centralidade da gestão, e é explícito e simbólico o empenho de solução pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que demandou a abertura de novo inquérito pela Polícia Federal, entre outras importantes ações. Não poderia ser diferente, depois dos anos de violação de direitos e omissão ampla do Estado com o caso de Marielle e também de tantas defensoras e defensores de direitos humanos.

A execução de uma mulher política que lutava pelos direitos das pessoas invisibilizadas pelas desigualdades foi um ataque às instituições democráticas. Portanto a responsabilização por esse crime é um dever da democracia. Mais do que isso, na linha do tempo da História brasileira, esse episódio político fortaleceu e impulsionou a onda fascista que tempos depois quase afundou o Brasil. E, para que nunca nos esqueçamos, propusemos ao governo — que acatou e articulou conosco — a criação do Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça. O Projeto de Lei foi anunciado no dia 8 de março e agora tramita no Congresso Nacional.

A morte de Marielle impôs à nossa família ressignificar o luto e lutar em defesa da memória, por justiça, pela multiplicação do legado, não apenas dela, mas de todas as mulheres negras que vieram antes e que foram sementes de Marielle. Precisei transformar a dor. E foi essa trajetória ao longo dos últimos anos — acadêmica, ativista e institucional, como diretora do Instituto Marielle Franco, como mãe, filha e em várias lutas — que me trouxe ao Ministério da Igualdade Racial (MIR). Mas, como sempre digo, não cheguei aqui sozinha.

Sempre reforço como foram as mulheres negras que me salvaram quando achei que não conseguiria mais andar com minhas próprias pernas. É com elas, que seguraram minha mão, e com os movimentos negros, que assumi a pasta com muita honra e responsabilidade, na certeza de ser uma missão coletiva, uma continuidade das que me antecederam. Recebi esse convite do presidente Lula como comprometimento máximo com a agenda de equidade racial no Brasil e também com a solução do caso Marielle e Anderson, que tem relação direta com o novo futuro que decidimos construir.

Gosto de falar que as sementes de Marielle seguem germinando e que o MIR, formado majoritariamente por mulheres negras, diversas e competentes, é desses frutos. Que se multiplicarão a partir da gestão transversal de combate ao racismo, às violências e às opressões que estamos pondo em prática. A responsabilidade é do tamanho da luta.

No entanto, para corresponder a esse espírito de esperança por justiça que sopra no Brasil de 2023, neste 14 de março quero pensar na Mari como a aroeira, árvore nativa, muito popular, que cresce rapidamente e, em cinco anos, pode atingir cerca de 4 metros de altura. É planta preciosa, de madeira densa, resistente. Floresce em todos os cantos do país, é usada para recuperar solos degradados, para reflorestamento, com grande importância na medicina popular, especialmente para as mulheres do campo. A aroeira é o Brasil real, da resistência das mulheres negras, diversas.

Queremos florescer como aroeiras, queremos cultivar suas sementes, mas em vida. Marielle presente, hoje e sempre!