Título: O povo pagou a festança no céu
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/09/2005, País, p. A2

As declarações de Lula na Guatemala informam: catapultado para a estratosfera pela crise incomparável, o presidente segue flutuando por lonjuras siderais mesmo quando parece fisicamente em terra. O fenômeno foi confirmado pela primeira entrevista concedida pelo chefe de governo depois de escancarado o lamaçal. A conversa durou apenas 5 minutos e 25 segundos. Tanto bastou para que Lula anexasse notáveis contribuições à Era da Insensatez. Acossado por pesquisas de opinião que prenunciam a derrocada, Lula simula encará-las com desdém. "Tenho por hábito não reagir a pesquisas, nem se eu tivesse 100% ou 0%", delirou o homem que há semanas, animado com a divulgação de índices favoráveis, reciclou a bravata do treinador Zagallo: "Eles vão ter que me engolir", berrou Lula.

O berro talvez ecoe novamente se outras pesquisas desenharem paisagem mais amenas. "A sociedade é minha companheira", declamou na Guatemala. A voz traía otimismo. Ele decerto acredita que a crise não tardará a passar. O Congresso vem trabalhando bem. O governo, melhor ainda. E a Polícia Federal não pára de avisar que, finalmente, todos agora estão ao alcance da lei. Paulo Maluf que o diga.

Convidado a comentar a prisão do ex-desafeto e ex-amigo, falou bonito: "Todos que tiverem alguma dívida com a sociedade terão que ser investigados e terão que ser punidos", declamou. "Isso vale para o mais humilde dos brasileiros e para o presidente da República".

Não vale, sugeriu o próprio Lula durante a entrevista na Guatemala. Durante a entrevista, um jornalista evocou a descoberta de mais respingos de lama na imagem presidencial, exibidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. Na edição de domingo, uma reportagem fartamente documentada revelara que, em dezembro de 2002, o PT usou dinheiro do Fundo Partidário para emitir passagens aéreas em nome do presidente eleito, parentes e agregados.

Além de Lula e de Marisa Letícia, a alegre revoada mobilizou no eixo Florianópolis-São Paulo-Brasília outros nove integrantes do primeiro clã, deslumbrados com a chance de vistoriar palácios e granjas reservados ao patriarca vitorioso. De Santa Catarina decolaram a filha Lurian, o genro e a neta. Nas pistas de São Paulo taxiaram os filhos Marcos Cláudio (com a mulher, Carla Adriane), Luiz Cláudio (com a namorada Talita) e Sandro (com a namorada Marlene). Foi um dezembro de sonho. O que Lula tinha a dizer sobre essa festa no céu?

"Eu estranharia se o PSDB ou o PFL tivessem pago", respondeu com candura o entrevistado. "O PT tinha mais era obrigação de pagar a minha passagem". A dele e as dos outros.

Se patrocinada pelo dinheiro do PT, a gastança seria apenas um espetáculo de desperdício deslumbrado. Ocorre que os recursos saíram da conta bancária reservada a movimentar recursos do Fundo Partidário. Segundo a lei, essas verbas se destinam exclusivamente à manutenção da sede e dos serviços dos partidos. Viagens aéreas, não. As despesas autorizadas pelo sempre generoso tesoureiro Delúbio Soares configuram uma clara irregularidade. A conta foi espetada nos bolsos do povo, que abastece o Fundo Partidário com tributos e impostos.

O ministro Antônio Palocci, também contemplado com passagens adquiridas irregularmente, prometeu devolver o dinheiro ao Tribunal Superior Eleitoral. Ou Lula segue o caminho de Palocci ou fica estabelecido que a blindagem multipartidária montada para preservar-lhe o mandato abrange o passado, o presente e o futuro. E então teremos, pela primeira vez na história, um presidente da República transformado em inimputável. Como as crianças.