O Globo, n. 32726, 14/03/2023. Política, p. 6

Mandato no Judiciário gera controvérsia na base

Bianca Gomes
Marlen Couto


A proposta de criar mandatos para membros de tribunais superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), divide o governo e integrantes da base aliada. Entre os que apoiam a medida estão Carlos Siqueira e Juliano Medeiros, presidentes do PSB e PSOL, ambos partidos que comandam ministérios. Para o ministro Flávio Dino (Justiça), no entanto, esse debate, uma bandeira dos bolsonaristas, está “contaminado” e não ocorre em um bom momento. Já a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o “partido ainda não fez uma discussão e avaliação da proposta”.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vem sinalizando disposição em pautar projeto sobre o tema. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), aliado do expresidente Jair Bolsonaro, aguarda para ser votada. O texto fixa o prazo de atuação no STF em oito anos, mas não há consenso. E a medida só valeria para futuras indicações aos tribunais. Pelo menos quatro ministros do STF se dizem favoráveis à mudança —três deles na condição de anonimato, como mostrou O GLOBO.

À frente do partido do vice presidente Geraldo Alckmin, Carlos Siqueira lembra que a pauta está prevista no programa do PSB. O documento defende a necessidade de adotar o limite de oito anos para o exercício das funções de ministros e desembargadores de tribunais superiores e estaduais.

— Sou o presidente do partido, não posso defender nada contrário ao seu programa — afirmou Siqueira, ressaltando que o tema ainda não foi discutido com as bancadas na Câmara e no Senado.

O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, também considera a proposta “positiva”:

— Não é razoável que um ministro passe 30 anos no STF.

Embora diga ser historicamente a favor da fixação de um mandato, o ministro Flávio Dino afirma ver intenção de retaliação com a medida neste momento.

— Academicamente, sempre me pronunciei a favor, entendendo que em algum momento é necessário. Ocorre, contudo, que nós temos que enxergar o ambiente em que isso está colocado. Me parece que há um indevido propósito de retaliação ao Supremo. É um debate justo que não ocorre em um momento bom —disse Dino.

A proposta também não agrada o PV, que integra federação com o PT e o PCdoB. O presidente do partido, José Luiz Penna, considera a ideia de mandato para integrantes do Judiciário “nem um pouco razoável”.

— O sonho de todo espírito ditatorial é diminuir o poder da Justiça. Não se pode mexer na mais alta Corte do país —justifica.

Roberto Freire, presidente do Cidadania, partido que está federado com o PSDB e se diz independente, acredita que há poucas chances de o debate prosperar em função do clima político do país.

— Quando você vive num clima democrático com esse tipo de atrito e radicalização, o aprimoramento das instituições é sempre muito complicado. Fica-se imaginando que por trás esteja alguma jogada, alguma revanche —disse Freire.

Único dirigente de partido com ministério a se posicionar contrário à medida, Luciano Bivar, do União Brasil, argumentou que o cargo vitalício, até a aposentadoria compulsória aos 75 anos, é um “pressuposto fundamental” para preservar a imparcialidade. Ele ressaltou, porém, que as bancadas do partido não foram consultadas.

Apoio na oposição

Na oposição, a iniciativa conta com o apoio do Novo. O partido defende a proposta do ex-deputado federal Paulo Ganime (RJ), que estabelece o mandato de 12 anos.

— Não acho que devam ser mandatos curtos, que aumentem a insegurança jurídica, mas considero desproporcional alguém ficar num cargo dessa relevância por 25 ou 30 anos —afirma Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, segundo o qual toda a bancada é favorável à proposta.

Alguns dos principais partidos do Congresso ainda não firmaram um posicionamento sobre o assunto. Assim como o próprio PT, o presidente do MDB, Baleia Rossi, disse que o partido ainda não fez esse debate. E Marcos Pereira, presidente do Republicanos, declarou não ter opinião formada.

Ministro da Previdência e presidente do PDT, Carlos Lupi também disse não ter um posicionamento. Para ele, a proposta precisa ser debatida, “inclusive com exministros e atuais”.