O Globo, n. 32727, 15/03/2023. Economia, p. 19

Prazo maior para meta de inflação



Após dois anos consecutivos de descumprimento da meta de inflação no país, mesmo com a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, patamar mais elevado desde 2017, ainda não está claro se o país vai conseguir chegar ao alvo de 3,25%, com tolerância de mais ou menos 1,5 ponto percentual. Analistas de mercado preveem 5,96% para este ano, segundo o boletim Focus, do Banco Central (BC).

No “E agora, Brasil?”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou o fato de o país ser um dos poucos, juntamente com a Turquia, que perseguem uma meta de inflação para o período de 12 meses do ano corrente e afirmou que uma possibilidade a ser avaliada com o BC é o alongamento desse horizonte, o que daria mais espaço para calibrar as taxas de juros sem restringir demais o crédito e comprometer o sistema financeiro e o crescimento da economia.

O ministro defendeu essa ideia como uma forma de dar à autoridade monetária tempo para acomodar “choques”, como foram os provocados pela pandemia e a guerra da Ucrânia, que reverberam localmente e afetam todas as projeções de inflação. No entanto, ele não detalhou se uma proposta neste sentido será levada ao Conselho Monetário Nacional (CMN), que estabelece a meta de inflação.

— Todos os países que têm metas de inflação, com exceção do Brasil e da Turquia, perseguem a meta num horizonte de tempo relevante, mas que não são os próximos doze meses. Você alonga, sobretudo em momentos como este.

Credibilidade importa

Economistas ouvidos pelo GLOBO dizem que Haddad está correto quando afirma que o Brasil destoa de outras economias com meta a ser cumprida entre janeiro e dezembro. A Turquia tem um sistema igual ao brasileiro, mas não é um bom parâmetro. Vive um surto inflacionário após intervenção do governo nos juros. A maior parte dos países com metas de inflação adota um horizonte intermediário, de dois anos em média, para alcançar o objetivo e manter a estabilidade dos preços. Nos EUA, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) fixa uma média a ser perseguida num período de até dois anos. No Canadá, num intervalo de seis a oito trimestres.

O pesquisador associado do Ibre/FGV Ricardo Barboza observa que, na prática, o BC brasileiro já vem tomando decisões para fixar a taxa de juros olhando um horizonte relevante além do ano-calendário:

— O BC já está considerando o efeito da política de juros sobre a inflação daqui a um ano e meio a dois anos. Isso não quer dizer que o nosso formato (de metas) está bom. Se temos meta de ano-calendário e o BC toma decisões considerando o horizonte relevante, estamos num formato que ainda parece distante do ideal.

Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco Alfa, concorda que a revisão de metas de inflação pode ser discutida, mas pontua que o mais importante é manter a credibilidade da política monetária. Para descartar vieses políticos, uma eventual mudança na meta de inflação teria que passar pela consolidação da autonomia do BC, criticada nos últimos meses pelo presidente Lula.

— A credibilidade da meta de inflação é uma consequência da credibilidade do banco central daquele país. Se o banco central da Turquia, que é um dos únicos como o do Brasil que tem meta no ano-calendário, resolver fazer mudanças na meta, quem acreditaria na instituição se quem manda lá é o (presidente Recep Tayyip) Erdogan? —diz Leal.

No evento, Haddad avaliou que, apesar de ainda distante da meta, a inflação no país está “bem comportada” e que há espaço para reduzir os juros. Ele listou entre as medidas da equipe econômica para favorecer a queda da Selic o pacote fiscal para manter a arrecadação, incluindo a reoneração parcial dos combustíveis (que tiveram impostos federais zerados no último ano do governo Bolsonaro), e a antecipação do desenho da nova regra fiscal que vai substituir o teto de gastos (que limita o crescimento das despesas à inflação). A proposta que será enviada ao Congresso já está pronta, afirmou Haddad, e deve ser apresentada ao presidente Lula ainda nesta semana.

Para ele, a definição da nova âncora fiscal, que afeta a elaboração do Orçamento de 2024, trará um impacto fiscal “infinitamente mais relevante” que uma revisão de metas de inflação. Essa é uma ideia a que ele não se opõe, mas defende que seja técnica e feita “sem ruído e com tranquilidade”.