O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Política, p. A4

Em resposta, Fux aponta crime de responsabilidade

Rayssa Motta
Weslley Galzo Daniel
Weterman
Amanda Pupo


Um dia após o presidente Jair Bolsonaro participar de atos antidemocráticos e ameaçar “descumprir” decisões do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte, Luiz Fux, afirmou ontem que as atitudes do chefe do Executivo representam um “atentado à democracia”. O discurso duro foi marcado por mensagens diretas ao Palácio do Planalto de que os magistrados não vão mais tolerar movimentos golpistas e intransigência. Fux destacou que as ameaças do chefe do Executivo na tarde de anteontem, se levadas adiante, configuram “crime de responsabilidade”, o que pode levá-lo ao impeachment.

“Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com a democracia, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste País”, disse Fux .

Nas manifestações convocadas para o feriado de 7 de Setembro, Bolsonaro disse que não vai mais acatar decisões judiciais proferidas pelo ministro Alexandre de Moraes, que chamou de “canalha”, e, sem citar diretamente Fux, cobrou que o presidente da Corte enquadre o magistrado – que é responsável pelos inquéritos que apuram possíveis crimes do presidente.

Bolsonaro também voltou a atacar as urnas eletrônicas e afirmou que só deixará a Presidência morto. “Ou o chefe desse Poder (Judiciário) enquadra o seu (ministro) ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos”, disse.

A reação ao presidente foi debatida entre os ministros do STF na noite de anteontem e resultou em uma contundente resposta ao Planalto. Na ocasião, cada magistrado expressou sua avaliação sobre os atos de 7 de Setembro. Em comum, todos os integrantes do tribunal, incluindo Kassio Nunes Marques – indicado ao cargo por Bolsonaro –, prestaram solidariedade a Moraes. O Estadão apurou que nessas reunião Fux foi cobrado a dar uma resposta forte.

Em sua fala, Fux disse que o Supremo não aceitará intimidações a sua independência e aos seus membros. “Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis.”

Em outro trecho do pronunciamento, o ministro disse que Bolsonaro tenta “descredibilizar” o tribunal e, caso descumpra as decisões da Corte, poderá ser enquadrado por crime de responsabilidade. E lembrou que este tipo de crime precisa ser analisado pelo Congresso.

“O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional.”

A lei de impeachment (1.079) inclui no rol de crimes de responsabilidade, que podem levar ao impedimento do presidente, o descumprimento de decisões judiciais e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. O artigo 85 do texto constitucional define como crimes do presidente o ato de “atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.

Em nome de todos os ministros, Fux fez um apelo à população brasileira para que não “caia na tentação de narrativas fáceis e messiânicas que criam falsos inimigos da Nação”.

Aras. Logo após o pronunciamento de Fux, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também fez uma defesa da democracia. Reconduzido ao cargo por Bolsonaro no mês passado, o procurador-geral citou o ex-deputado constituinte Ulysses Guimarães para defender a Constituição e a harmonia entre os Poderes. Aras classificou os atos nas ruas como uma “festa cívica com manifestação pacífica” e defendeu diálogo e soluções com “ferramentas da institucionalidade” para resolver os conflitos. O procurador-geral da República é responsável por encaminhar eventuais denúncias contra o presidente da República. Indicado por Bolsonaro para o cargo, Aras vem sendo criticado e foi até acusado de prevaricação por não avançar nas investigações contra o chefe do Executivo