O Globo, n. 32727, 15/03/2023. Política, p. 6

Lula enquadra ministros por projetos sem seu aval

Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião ministerial, realizada ontem no Palácio do Planalto, com um bronca nos titulares das pastas por apresentarem propostas sem o aval da Casa Civil. O anúncio feito pelo ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, de um programa que previa a venda de passagens aéreas a R$ 200 foi o estopim da cobrança, já que a iniciativa não havia sido autorizada pelo Palácio do Planalto —o tom levou França a procurar a Casa Civil para se explicar.

Desde o início do governo, já houve outros dois episódios de recuos, com ou sem reprimendas públicas, após declarações “apressadas”: em janeiro, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, falou em revisar a reforma da Previdência. Dias depois, foi desautorizado pelo titular da Casa Civil, Rui Costa, que afirmou não haver “nenhuma proposta sendo analisada ou pensada”. Em outro caso, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anunciou, em entrevista ao GLOBO, que acabaria com o saque aniversário do FGTS. Em seguida, ele divulgou que a proposta estava em discussão.

—Todo e qualquer posição, qualquer genialidade que alguém possa ter, é importante que, antes de anunciar, faça uma reunião com a Casa Civil. Para que a Casa Civil discuta com a Presidência da República e que a gente possa chamar o autor da genialidade e então anunciar publicamente como se fosse uma coisa do governo —disse Lula ontem aos ministros. —Não podemos correr risco de anunciar coisa que não vai acontecer.

França apresentou a ideia de forma preliminar a Lula na sexta-feira. De acordo com auxiliares, o presidente gostou da ideia e o orientou a encaminhá-la à Casa Civil, que coordena as ações de governo. No domingo, porém, o Correio Braziliense publicou uma entrevista em que França anunciava o programa e dizia que ele dependia apenas do aval do Planalto.

Lula e Costa ficaram incomodados ao descobrir pela imprensa que França havia feito a divulgação do programa. Com a repercussão positiva do assunto na internet, o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, chegou a republicar um post do programa “Voa, Brasil!”. Horas mais tarde, contudo, ele foi orientado pela Casa Civil e apagou a publicação.

Dentro da Casa Civil, a iniciativa de França pegou mal porque o programa de passagens a preços menores não estava na lista de anúncios a serem feitos pelo governo. Nas próximas semanas, o Executivo planeja bater bumbo em torno de outras medidas, como o novo “Mais Médicos”, o “Água para Todos” e um plano de investimentos na área de infraestrutura, entre outros.

Na avaliação de técnicos da Casa Civil, a precipitação de França pode prejudicar o andamento do programa. O argumento é de que a proposta não passou pela análise de viabilidade operacional e financeira. Aliado a isso, técnicos de setor de infraestrutura têm afirmado internamente que que a medida não é exequível.

O GLOBO apurou que, diante do curto-circuito, Márcio França ligou para integrantes da Casa Civil e argumentou que não haveria uso de dinheiro público no projeto. A ideia do ministro é que cada empresa área abra um cadastro para estudantes do Fies, aposentados e servidores com salário até R$ 6,8 mil. Cada CPF de representantes desses segmentos teria direito a comprar duas passagens por ano por R$ 200 em horários intermediários e desde que haja espaços excedentes nas aeronaves.

“Qualquer genialidade que alguém possa ter, é importante que antes de anunciar faça uma reunião _ com a Casa Civil” Lula, ao dar uma bronca em ministros durante reunião