O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Internacional, p. A16
A guerra contra a China substituirá a Guerra ao Terror?
The New York Times
A retirada do Afeganistão deixou muitos analistas dizendo: "Se naquela época soubéssemos o que sabemos agora, nunca teríamos tomado esse caminho". Não sei se é verdade, mas surge a seguinte questão: O que se faz hoje na política externa que, daqui a 20 anos, pode nos obrigar a olhar para trás e dizer: "Se naquela época soubéssemos o que sabemos agora, nunca teríamos tomado esse caminho?" Minha resposta é China.
Meus temores podem se resumir a uns poucos parágrafos: os 40 anos, de 1979 a 2019, marcaram uma época nas relações Eua-china. Houve muitos altos e baixos, mas foi uma época de constante integração econômica. A profundidade dessa integração ajudou a alimentar uma globalização muito mais profunda da economia mundial e a fundamentar quatro décadas de relativa paz entre as duas grandes potências. E não nos esqueçamos: são os conflitos entre grandes potências que nos dão guerras mundiais desestabilizadoras.
Nos últimos cinco anos, porém, EUA e China vêm tomando um caminho de desintegração e, quem sabe, de confronto direto. Na minha opinião, os principais responsáveis por essa reversão são o estilo de liderança cada vez mais agressivo da China, suas políticas comerciais e a mudança na composição de sua economia. Se essa dinâmica continuar, há uma boa chance de que ambos os países, daqui a 20 anos, venham a olhar para trás e dizer que o mundo se tornou um lugar mais perigoso e menos próspero por causa do colapso das relações entre EUA e China no início de 2020.
Para começar, precisamos nos perguntar quais aspectos de nossa competição com a China são inevitáveis? E o que pode ser atenuado por uma política inteligente? Vamos começar com o inevitável. Durante os primeiros 30 dos 40 anos de integração, a China vendeu "produtos superficiais" – camisetas, tênis e painéis solares. Os EUA, em contraste, venderam à China "bens profundos" – software e computadores.
Hoje, a China pode fazer cada vez mais desses "bens profundos" – como os sistemas 5G –, mas não temos mais a confiança compartilhada para instalar suas tecnologias em nossas casas e empresas. Quando os chineses vendiam "produtos superficiais", não era importante se seu governo era autoritário, libertário ou vegetariano. Mas, quando se trata de comprar "bens profundos" da China, os valores compartilhados são importantes.
Além disso, temos também a estratégia de liderança do presidente Xi Jinping, que vem estendendo o controle do Partido Comunista a todos os poros da sociedade, cultura e comércio. Ele reverteu uma trajetória de abertura gradual da China ao mundo desde 1979. Somemos a isso tanto a determinação de Xi de que a China nunca mais deve depender dos EUA e temos um país mais agressivo.
Mas Xi exagerou. O nível de roubo de tecnologia e penetração das instituições americanas se tornou intolerável. Ele está virando todo o mundo ocidental contra a China e levou o atual presidente americano e seu antecessor a identificar o combate à China como o objetivo estratégico n.º 1 dos EUA.
Nader Mousavizadeh, CEO da Macro Advisory Partners, empresa de consultoria geopolítica, sugere que, se vamos mudar nosso foco do Oriente Médio para uma estratégia irreversível de confronto contra a China, devemos começar com três perguntas.
A primeira: "Será que entendemos a dinâmica de uma sociedade imensa como a chinesa bem o suficiente para decidir que sua missão inevitável é a disseminação global do autoritarismo? Especialmente quando isto exigirá um compromisso geracional por parte dos EUA, produzindo, por sua vez, uma China ainda mais nacionalista?"
A segunda: "Se acreditamos que nossa rede de alianças é um ativo exclusivamente americano, será que realmente ouvimos nossos aliados asiáticos e europeus sobre a realidade de suas relações econômicas e políticas com a China?" Não há dúvida de que a melhor maneira de conter a China é fazer aquilo que ela mais odeia: confrontá-la com uma coalizão baseada em valores universais, como estado de direito, livre comércio e direitos humanos.
A terceira pergunta: "Se acreditamos que nossa prioridade agora deve ser consertar a casa, será que é mais útil enfatizar a ameaça chinesa? Levar a sério a renovação nacional pode empolgar os americanos, mas também pode incendiar a relação com a China, afetando tudo, desde cadeias de suprimentos até intercâmbios de estudantes. De toda maneira, esse seria meu check-list antes de passarmos da Guerra ao Terror para a guerra contra a China. Vamos pensar com calma. Nossos netos nos agradecerão em 2041. / Tradução de Renato Prelorentzou
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