O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Internacional, p. A18

Taleban chicoteia mulheres e jornalistas em protesto



As promessas de moderação do Taleban parecem mais vazias a cada dia, enquanto o grupo tenta consolidar seu poder em um Afeganistão fragilizado. Um dia depois do anúncio do novo gabinete – composto apenas por homens com histórico dentro do grupo insurgente –, relatos de combatentes do Taleban agredindo mulheres e jornalistas a pauladas e chicotadas voltaram a surgir ontem.

Um protesto foi reprimido em Dasht-i-barchi, área de Cabul habitada por pessoas da minoria étnica xiita Hazara, conhecida por ter sido alvo do Taleban no passado, segundo informou a TV americana CNN. Veículos de imprensa afegãos também relataram as agressões. O site Etilaatroz publicou imagens das lacerações nas costas de dois jornalistas, Taqi Daryabi e Nematullah Naqdi, que disseram ter sido torturados pelos insurgentes após cobrirem protestos na terça-feira.

Enquanto o Taleban reintroduz um policiamento moral que marcou seu primeiro governo, controlando a vida das mulheres de forma rígida, ativistas e estudantes afirmam que uma geração jovem de mulheres educadas e trabalhadoras não aceitará a opressão.

Como evidência de que o período repressivo do Taleban está de volta, Ahmadullah Wasiq, um dos líderes do grupo, afirmou ontem que as mulheres serão proibidas de praticar esportes no Afeganistão. Segundo Wasiq, em entrevista à SBS, uma rede de TV da Austrália, o esporte feminino é algo inapropriado e desnecessário. Ele falou especificamente sobre o críquete, que é muito praticado na Ásia.

"Eu acho que não será permitido às mulheres jogar críquete, porque não é necessário que as mulheres joguem críquete. No críquete, elas podem estar em situações em que o rosto e o corpo não estejam cobertos, e o Islã não permite que elas sejam vistas dessa forma", afirmou Wasiq.

"Essa é a era da mídia, haverá fotos e vídeos de mulheres praticando esportes, e as pessoas poderão assistir. O Islã e o Emirado Islâmico (a forma como o Taleban se refere ao novo regime no Afeganistão) não permitem que as mulheres joguem críquete ou esportes em que elas ficam expostas", afirmou.

Embora os funcionários do Conselho de Críquete do Afeganistão digam que não foram informados oficialmente sobre o destino do críquete feminino, o programa do conselho para meninas já foi suspenso. Mulheres esportistas, incluindo jogadoras de críquete, estão escondidas no Afeganistão desde que o Taleban assumiu o poder, após a retirada precipitada de forças estrangeiras liderada pelos EUA, no mês passado.

Ontem, o Departamento de Estado dos EUA lamentou a exclusão de mulheres do novo gabinete. A União Europeia foi mais dura e afirmou que o grupo não cumpriu o pacto de diversificar o novo governo. A UE reclamou principalmente da falta de diversidade étnica e religiosa./ AP, REUTERS e AFP