O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Internacional, p. A18

Mulheres planejam replicar decisão sobre aborto no restante do México



Quando a Suprema Corte declarou, na terça-feira, que realizar um aborto não era mais crime no México, muitos grupos de ativistas comemoraram. Ontem, porém, todos voltaram ao trabalho, sabendo que será longo o processo até garantir que a mudança jurídica se aplique a todo o país.

Entre as prioridades estão as mulheres que enfrentam o peso da Justiça, muitas vezes depois de terem sido denunciadas às autoridades por tentarem induzir um aborto em condições perigosas. Nos primeiros sete meses deste ano, em todo o México, foram abertas 432 investigações sobre casos de aborto ilegal, de acordo com o governo mexicano.

“Vimos casos terríveis, em que as mulheres tentam fazer com cabides, tentam bater na barriga”, disse Arely Torres Miranda, defensora dos direitos reprodutivos no Estado de San Luis Potosí. “Elas põem a própria vida em risco.”

A decisão do tribunal se aplica imediatamente apenas ao Estado de Coahuila, no norte do México, onde os juízes disseram que uma lei que impõe até três anos de prisão para pessoas que fazem aborto é inconstitucional. A decisão estabeleceu um precedente legal para o país todo – mas colocá-la em prática requer contestações legais em cada um dos 28 Estados mexicanos que ainda criminalizam o procedimento, ou uma mudança na lei promovida pelas legislaturas estaduais.

Ativistas locais já começaram a trabalhar em um plano para forçar os Estados a seguir a decisão do tribunal e revisar suas leis, embora a luta para tornar o aborto legal e seguro em todo o país seja longa. Apenas a Cidade do México e três outros Estados permitiam o aborto antes da decisão de terça-feira. “Já estamos organizadas e prontas para aproveitar a oportunidade que a nova decisão da Suprema Corte oferece”, disse Torres Miranda. “O que precisamos é cobrar uma mudança da lei.”

Conservadores. Esse plano, provavelmente, encontrará resistência. O Partido da Ação Nacional (PAN), dos ex-presidentes Vicente Fox e Felipe Calderón, de caráter conservador e principal força de oposição, é contra a iniciativa de legalizar o procedimento e expressou consternação com a decisão do tribunal. “Vou continuar lutando em minha trincheira pelo respeito ao direito à vida”, disse Victor Fuentes, senador do PAN.

Desde que a Cidade do México legalizou o procedimento, em 2007, uma rede de ativistas vem trabalhado para oferecer uma alternativa segura às mulheres que buscam o aborto, seja transportando-as para a capital ou fornecendo-lhes Misoprostol, uma medicação comumente usada para induzir o aborto. No entanto, muitas estão com muito medo de procurar esses grupos e optam por fazer abortos clandestinos. 

Complicações. Quando esses métodos dão errado ou provocam sangramento excessivo, elas geralmente vão ao hospital, que pode denunciá-las às autoridades estaduais. Atualmente, há cinco mulheres sob investigação por terem feito aborto no Estado de San Luis Potosí. No país inteiro, não se sabe quantas estão enfrentando processo ou estão na prisão por terem feito um aborto, porque dados são difíceis de coletar.

Para muitos que defendem a causa há décadas, a decisão da Suprema Corte representa um divisor de águas. Estela Kempis, que há 20 anos ajuda mulheres a ter acesso ao aborto no Estado de Morelos, comparou a descriminalização do aborto com a conquista do direito de voto às mulheres. “Eu sinto que estou saindo das trevas.” / NYT, Tradução de Renato Prelorentzou

Nova frente

"Já estamos organizadas e prontas para aproveitar a oportunidade que a nova decisão da Suprema Corte oferece"

Arely Torres Miranda

Ativista dos Direitos Reprodutivos no estado de San Luis Potosí