Título: Outra promessa descumprida
Autor: Ricardo Antunes
Fonte: Jornal do Brasil, 15/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Quando da morte de Antônio da Costa Santos, o Toninho, prefeito eleito pelo PT de Campinas, barbaramente assassinato no dia 10 de setembro de 2001, Lula garantiu a Roseana Garcia, esposa de Toninho, que, uma vez eleito, imediatamente ordenaria a elucidação do trágico episódio.

Desde então, quatro anos já se passaram, três dos quais tendo Lula na Presidência da República. Como se não bastasse o cabal descumprimento de todas as políticas propugnadas pelo PT ao longo dos vinte e dois anos que antecederam à vitória eleitoral de Lula, nada se apurou sobre a morte de Toninho.

E, se depender do governo, o bom-senso não nos deve deixar muito animados. Enveredado pelos descaminhos do PT, prisioneiros da direita com a qual preferencialmente se aliou, responsável direto, a cada dia, por um novo ingrediente da corrupção sistêmica que o núcleo dominante do PT e do governo se envolveram, fica difícil imaginar que essa promessa possa ser cumprida. Resta esperar que os setores corajosos do Ministério Público, dentre outras instituições e movimentos que lutam pela justiça, possam permitir o seu efetivo esclarecimento.

Mas a pergunta fica: por que o governo do PT de Lula não demonstrou interesse em desvendar o escabroso episódio que levou à morte de Toninho? À morte bárbara e brutal de Celso Daniel? Hoje sabemos que, provavelmente por imposição de um núcleo quase secreto, gestou-se, paralelamente a belas experiências de governo do PT, como em Belém do Pará e em Porto Alegre, um outro modo petista de governar, fundado na prática do caixa 2, para sustentar o projeto do partido, prática implantada pela cúpula petista com o completo desconhecimento da maioria esmagadora de sua ativa e combativa militância, que enquanto lutava pelo desmonte da corrupção no país, não sabia da expansão da corrupção política instaurada em (algumas ou muitas?) administrações do PT.

Era algo assim: como o PT é o ''partido da verdade'', todos os meios são válidos para que se consolide visando à conquista do poder. Pouco a pouco foi se montando um núcleo pequeno, fechado, ultracentrista, que impôs para várias administrações do PT essa nefasta prática de corrupção política. Quem a denunciou, inicialmente, foi um dos mais legítimos militantes do PT, desde a primeira hora, Paulo de Tarso Wenceslau, que participou nas administrações do PT de Campinas, do período de Jacob Bittar e, posteriormente, em São José dos Campos, onde a coisa já ganhava vulto. Com coragem, denunciou a prática e como prêmio, foi expulso do PT de Lula.

Toninho era uma figura singular. Desde a primeira hora denunciou o esquema no governo de Jacob Bittar, da qual foi vice e secretário de governo, demissionário logo percebeu que algo de estranho se gestava. Rompeu com o desmando no seu nascedouro e não sossegou um momento sequer, denunciando o que se passou sempre que podia. Dotado de forte sensibilidade popular, oriundo de família bem dotada - um daqueles belos casos onde, mesmo estando confortavelmente entre os ''de cima'', soube descolar-se de sua condição de classe para juntar-se ''aos de baixo'' - Toninho vivenciou uma eleição emocionante em 2000. Do povo das periferias aos estratos das classes médias menos desumanizadas, dos trabalhadores vinculados aos sindicatos aos estudantes, uma onda varreu Campinas e elegeu Toninho como prefeito.

Ele teve pouco tempo de governo. Pegou a casa completamente destroçada e começou a arrumá-la. Feriu interesses, vários. Íntegro, ético, socialista, tinha repulsa profunda frente a todas as formas de corrupção, desde aquelas mais abjetas, para fins exclusivamente privados, até aquelas também nefastas, para fins políticos, as quais, agora vemos com mais clareza, estão em todas as partes, inclusive no partido que se apresentava como a única instituição política imunizada frente a esta praga.

Disse o que segue um ano atrás: ''a vida de Toninho não pode mais ser resgatada, mas Campinas, seu povo, seus admiradores, seus milhares de eleitores, seus amigos, seus familiares, como vem fazendo corajosamente Roseana Garcia, mulher e viúva, todos temos o direito de exigir do governo Lula o completo esclarecimento dessa tragédia, que de fato é uma questão nacional: quem matou Toninho do PT? E por quê? O PT de Lula, agora no poder, tem condições que responder. Se quiser''. Hoje temos que acrescentar: mais uma luta que continua, mais uma esperança se foi, outra promessa foi descumprida.