O Globo, n. 32732, 20/03/2023. Opinião, p. 3

O velho PT personalista está mesmo de volta

Uriã Fancelli


De acordo com um estudo que analisou 46 governos populistas em 33 países entre 1990 e 2018, eles são altamente habilidosos em permanecer no poder e ameaçar a democracia. Ficam no poder o dobro do tempo e têm quatro vezes mais probabilidade de extinguir as instituições democráticas que os políticos não populistas. Para isso, estão dispostos a tudo, mesmo a práticas como a ocupação do Estado e seletividade na hora de fazer críticas.

Apesar de conhecidamente flertar com ditaduras, como visto há poucos dias ao optar pela não condenação do regime opressor de Daniel Ortega, na Nicarágua, nunca foi um hábito de Lula questionar a existência das instituições democráticas brasileiras, algo corriqueiro no governo de Jair Bolsonaro. A maneira do PT de exercer seu populismo não é atacando as instituições, mas ocupando-as.

No dia 8 de março, a primeira-dama Janja usou a estrutura da TV Brasil para comandar uma live e divulgar ações do governo federal. Críticos nas redes sociais afirmaram que uma estatal não deve ser usada para publicidade do governo. No entanto o que ocorreu não é novidade. Desde que surgiu, a emissora serve de muleta publicitária para o governo. A exploração de canais de TV estatais não é exclusividade dos populistas brasileiros. Na Venezuela, o ditador Hugo Chávez apresentava um programa chamado “Aló Presidente”, em que passava horas discursando ao vivo, sempre com o objetivo de se autopromover e de vender sua narrativa como a única, algo crucial para a construção da legitimidade de qualquer populista.

Em terras brasileiras, se antes a TV Brasil era conhecida como TV Lula, a partir de 2019 passou a ser conhecida como TV Bolsonaro, ao ser usada pelo ex-presidente para autopromoção. Bolsonaro chegou até mesmo a comprar novelas bíblicas da TV Record por alguns milhões de reais para exibi-las na emissora.

A TV BrasilGov, versão do canal exclusiva para as plataformas digitais, afirma ter como missão “noticiar as ações do Poder Executivo” e “políticas públicas”. Todavia o que tem sido postado não são apenas as agendas, mas publicidade pura. Em 7 de março, a conta oficial da TV BrasilGov fez um tuíte destacando um reajuste da merenda escolar — que não é atualizada há seis anos — claramente para contrastar com os governos anteriores. O que chama atenção é a imagem que acompanha o texto, de Lula rodeado por quatro crianças felizes, com uma parede sem reboco ao fundo. É a famosa imagem do salvador da pátria e pai dos pobres que volta a ser projetada. Claramente uma propaganda personalista financiada por uma empresa estatal, a EBC.

Parece que o PT parou no tempo. Primeiro, por seguir usando a máquina pública para autopromoção, como no início dos anos 2000. Segundo, por fazê-lo num momento em que poderia fazer isso por meio das redes sociais sem o uso da estrutura de empresas estatais, evitando críticas. E terceiro, por insistir em ser conivente com ditaduras latino-americanas que violam os direitos humanos e legitimam o discurso de extrema direita segundo o qual “o Brasil vai virar a Venezuela”, discurso de que evidentemente não precisamos mais.

É lamentável e alarmante pensar que, se as táticas do PT permanecem as mesmas, é porque possivelmente a essência do partido também não evoluiu. Isso é penoso, pois obriga quem luta contra o populismo a retornar a um cansativo estado de vigilância que deveria ter ficado para trás em 1º de janeiro. Se hoje sentimos um ar de alívio, é porque ainda estamos nos recuperando do sufoco que foi o governo anterior, não porque o populismo tenha acabado.