O Estado de S. Paulo, n. 46714, 10/09/2021. Política, p. A8

Câmara recua e barra quarentena para juízes

Vinícius Valfré
Camila Turtelli
Daniel Weterman


A Câmara aprovou ontem o polêmico projeto do novo Código Eleitoral. Entre os itens da proposta, há regras que enfraquecem a Lei da Ficha Limpa e proíbem a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera dos pleitos. O texto também criava uma quarentena de cinco anos para militares das Forças Armadas, policiais militares, promotores de Justiça e juízes que desejassem disputar as eleições, a partir de 2026. A regra, no entanto, foi derrubada quando os deputados analisaram pontos específicos do projeto, os chamados destaques.

Aprovado por 378 votos a 80, com o aval da maioria dos partidos, o texto ainda flexibiliza regras de prestação de contas pelos partidos e amplia as finalidades possíveis do Fundo Partidário. “É incoerente que ex-presidiários possam concorrer sem quarentena e o policial, o promotor e o juiz que colocou esse presidiário na cadeia não possam concorrer”, disse o deputado Marcel Van Hattem (NovoRS). “O Judiciário tem que cumprir quarentena, se não há uma contaminação. As carreiras típicas de Estado também. Gostaríamos que tivessem mais carreiras dentro do texto”, afirmou Paulo Teixeira (PT-SP).

Um novo Código Eleitoral era uma promessa de Arthur Lira (Progressistas-AL) feita na campanha à presidência da Câmara. A matéria teve a relatoria da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI). O texto aprovado reúne uma série de normas eleitorais que, hoje, estão dispersas em leis específicas e, ainda, traz mudanças ao processo de eleições que interessam aos parlamentares.

Em seus mais de 900 artigos, o texto é repleto de pontos controversos. Ele proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia das eleições. O argumento é de que isso influencia o eleitor no momento em que ele precisa decidir. Para os críticos, a medida tira o direito de o eleitor se informar para tomar uma decisão.

No relatório aprovado, também foi reduzido o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Assim, se a Justiça Eleitoral não concluir a análise dos processos em até dois anos, a fiscalização sobre o uso da verba poderá ficar impossibilitada.

O texto aprovado trata também sobre o Fundo Partidário e libera a verba para a compra de bens móveis e imóveis, assim como para “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido”. Na prática, amplia a finalidade do recurso. Atualmente, além de financiar campanhas, o fundo serve para bancar despesas rotineiras das legendas, como água, luz e aluguel.

Ficha Limpa. Com relação à Ficha Limpa, o prazo de inelegibilidade ficou mantido em oito anos. Contudo, um detalhe aprovado acaba por enfraquecer a lei. É que o prazo passará a ser contado a partir da condenação, e não mais após o cumprimento da pena. Além disso, o texto-base acabava com o dispositivo que torna inelegível por anos o mandatário que renunciar para não ter o mandato cassado. O relatório foi aprovado dessa forma, mas um destaque acabou por incluir esse item ao novo código. O texto aprovado pela Câmara, na avaliação de críticos, limita a atuação do Tribunal Superior Eleitoral e diminui a transparência de partidos no uso dos recursos públicos.

A maioria dos partidos, governistas e de oposição, foi a favor do texto. “Ele foi concebido através do grupo de trabalho. Foi a única maneira de estar votando esse tema, porque é uma compilação de 900 artigos e, obviamente, não existirá jamais unanimidade, mas precisamos estabelecer essa nova legislação”, afirmou o líder do Cidadania, Alex Manente (SP).

A matéria segue agora para o Senado, mas não deve ser apreciada em tempo hábil para valer já em 2022. “É difícil ter um posicionamento sobre 900 artigos em oito ou dez dias”, disse o senador Carlos Fávaro (PSDMT), um dos relatores da reforma eleitoral no Senado.

Lei

“Não existirá jamais unanimidade, mas precisamos estabelecer essa nova legislação.”

Alex Manente (SP)

Líder do Cidadania na Câmara dos Deputados