Título: Corte simbólico nos juros
Autor: Mariana Carneiro e Alessandra Bellotto
Fonte: Jornal do Brasil, 15/09/2005, Economia & Negócios, p. A17

Pela primeira vez, desde abril do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou pela redução da taxa básica de juros (Selic). O recuo foi simbólico, de 0,25 ponto percentual, para 19,5% ao ano. Assim, timidamente, o Banco Central começa a emitir sinais de que começa a liberar a política monetária. Mas desaperto mesmo, só daqui para frente. Para o economista-chefe da GRC Visão, Jason Vieira, mais do que um corte, o BC definiu que a tendência agora é de queda.

- Mudar de 19,75% para 19,5% não é nada. Os juros permanecem impressionantemente altos. Essa redução não é um afrouxamento. Como o BC não gosta de usar viés, aplica esse corte como sinalizador - analisa.

A última vez que o Copom usou viés foi para indicar alta em março de 2003. No mês seguinte, no entanto, não houve elevação e analistas ficaram a ver navios. Quando o BC coloca viés, dá pistas do que fará na reunião seguinte.

- Mas o Copom quer ter garantia de que pode mudar de opinião sem provocar problemas no mercado - critica.

Se o BC brasileiro fosse utilizar os mesmos parâmetros dos Estados Unidos, por exemplo, onde a taxa atualmente sobe ou desce 0,25 ponto a cada reunião (hoje está em 3,5% ao ano), a Selic deveria cair para 18,3%.

Com a pequena correção de ontem, a taxa de juros real pouco se move e segue na liderança disparada dos mais elevados do mundo. Segundo a consultoria GRC Visão, a taxa descontada a inflação projetada para daqui a 12 meses fica em 14% ao ano. Já pela estimativa da pesquisa Focus do BC - com os 100 principais agentes de mercado do país - estaciona em 14,7%, pouco abaixo dos 14,82% do mês anterior, quando foi decidida a manutenção da Selic em 19,75%.

A decisão de ontem não foi uma novidade para o mercado, que já esperava a leve queda - havia, no entanto, quem esperasse um recuo maior, de meio ponto percentual, como os bancos Bradesco, Unibanco, HSBC e BNP Paribas.

Para o economista-chefe do Banco Pátria de Negócios, Luís Fernando Lopes, a decisão do BC foi coerente.

- O Banco Central sempre deixou claro que seria cauteloso.

A nota emitida pelo Copom não esconde a comemoração da equipe com os resultados obtidos pela política monetária pouco popular. Desde que o BC começou o aperto, em setembro do ano passado, conseguiu derrubar as expectativas para a inflação dos próximos 12 meses de 6,27% - de acordo com o Focus - para 4,8% na semana passada.

''Avaliando que a flexibilização da política monetária neste momento não compromete as conquistas obtidas no combate à inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 19,5% ao ano, sem viés'', informou a nota.

O sócio-diretor da Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, considera que a decisão foi a ideal em vários aspectos.

- Como é o primeiro corte de vários outros, o BC não podia dar 0,5 ponto para não se comprometer com outra redução de 0,5 ponto - diz.

Ele acrescenta que uma redução mais agressiva traria euforia para o mercado, provocando um fechamento da curva de juros futuros.

A dúvida é quanto aos próximos passos do BC. A maioria, segundo Lopes, está apostando em queda de 0,5 ponto a partir de outubro. Mas há espaço, na sua opinião, para manter a cautela, uma vez que a economia continua crescendo em ritmo forte.

Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), chega a 620% a diferença entre a taxa Selic e o que chega ao consumidor. Embora o mercado não use a mesma taxa, a segue o parâmetro.

Com base nessa nova taxa, calcula-se que as lojas, os bancos e as financeiras passem a operar, neste mês, com juro médio anual de 140,58% para as pessoas físicas, se efetivamente repassarem a queda ao mercado.

O Bradesco informou ontem que pretende fazê-lo, porém modestamente. O corte em todas as modalidades de crédito será de 0,02 ponto percentual. Para os clientes pessoas físicas, por exemplo, o banco baixou os juros máximos do cheque especial de 8,33% para 8,31% ao mês.